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Intervenção militar no Rio e mais insultos da Globo a Brizola

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O problema tem causas conhecidas, exaustivamente expostas a cada crise. O uso político da violência no Rio de Janeiro também tem causas conhecidas, exaustivamente expostas a cada crise.
A geografia que não permite o isolamento da pobreza em guetos afastados, como nas demais capitais, acentuando as tensões da gritante desigualdade social brasileira. Uma lei antidrogas, patrocinada pelos EUA por motivos que têm pouco a ver com diminuição dos danos destas na sociedade, o que torna a atividade do tráfico especialmente lucrativa nessa cidade de geografia tão peculiar. A corrosão do aparelho policial propiciada por essas duas variáveis anteriores. Eis o diagnóstico que vem à tona a cada nova crise no Rio.
Os momentos de “crise” também precisam ser bem analisados, pois, nem sempre, coincidem com surtos de violência. A crise é contínua: bandidos armados, tiroteios, guerra entre gangues, balas perdidas, chacinas e demais crimes chocantes, gerando pautas fáceis aos programas policiais que mostram o desespero e a revolta da população. Desde os anos 80, a frase “não tem como ficar pior” fecha reportagens sobre o tema.
No entanto, em alguns momentos, o noticiário passa a dar uma ênfase especial ao problema. Impressionantes cenas de criminosos fortemente armados e de rajadas de balas traçantes se tornam onipresentes em todos os jornais. Essa mudança repentina de pauta pode ser precedida de um pico nos índices de violência, mas isso não é um pré-requisito. Há um uso político do noticiário que serve a fins pouco relacionados à segurança pública.
O problema é real e se intensifica periodicamente. É o que ocorre numa conjuntura de devastação do mundo político, promovida pelo Partido da Lava Jato, e de falência do estado – fruto de uma crise econômica sem precedentes (que deixou o Rio com 20% dos desempregados do país), da baixa dos preços do petróleo e dos escorchantes juros da dívida com a União. Muitos estados da federação caminham nesse rumo. Mesmo o rico estado de São Paulo enfrenta uma situação potencialmente explosiva, que só não explodiu por terem conseguido uma liminar na justiça paulista que os eximiram, por 8 meses, do pagamento da dívida com a União e pelo Partido da Lava Jato ainda não ter promovido o caos nas ilibadas terras bandeirantes.
No caso do Rio de Janeiro, diante da constante pressão que seu problema de violência urbana gera, os governantes agem e reagem. As reações são feitas pelo aumento do efetivo policial, compra de mais armamentos, intervenções das forças federais e, principalmente, boas negociações com a mídia para “suavizar” o noticiário. Quanto às ações, estas foram desde as “delegacias legais” do governo Garotinho, que visavam criar o ambiente para a unificação das polícias, a ser efetivado pelo Instituto de Segurança Pública, até o plano de ocupação sistemática dos morros promovido por Cabral e Beltrame. Todos programas descontinuados, inclusive o único que tentou intervir direto na raiz do problema: os CIEPs (Centro Integrados de Educação Pública).
Após sua primeira vitória ao governo do estado, em 1982, Brizola e seu vice, Darcy Ribeiro, iniciaram o maior programa de educação em tempo integral da história do país. Os prédios, com a singular arquitetura do projeto de Oscar Niemeyer, começaram a ser espalhados nas áreas pobres do Rio de Janeiro, atendendo, cada unidade, mil crianças que lá ficavam o dia todo recebendo, além de educação, alimentação adequada e atendimento médico e odontológico.
Para assumir o governo, Brizola precisou enfrentar uma tentativa de fraude eleitoral, o “Caso PROCONSULT”, que contou com a participação das Organizações Globo, como mostrado por Paulo Henrique Amorim e Maria Helena Passos no livro “Plim-plim: a Peleja de Brizola Contra a Fraude Eleitoral”. No governo, protagonizou outro enfrentamento com a Globo na construção do Sambódromo, o que levou a emissora a tentar sabotar os prazos da obra (que foi feita em exatos 110 dias), com enxurradas de matérias denunciando falsos problemas na estrutura de concreto, e a boicotar a transmissão do Carnaval de 1984. Cabe ressaltar que, seguindo seu objetivo principal de revolucionar a educação carioca, Brizola determinou a instalação, sob as arquibancadas da Marquês da Sapucaí, de salas de aula que atendiam 10 mil crianças em período integral, evitando que a construção se tornasse ociosa fora dos períodos de Carnaval.
Com esse histórico, é fácil imaginar como atuou o jornalismo da Globo quando Brizola tentou eleger Darcy Ribeiro governador nas eleições de 1986, para dar continuidade ao programa dos CIEPs. A Rede Globo, de repente, descobriu que parte do financiamento do Carnaval carioca provinha, desde sempre, do jogo do bicho. Logo, como Darcy vinha de um governo que ajudou a melhorar a organização do Carnaval, ele era o candidato dos bicheiros. Uma lógica simples que, pelo poderio da Rede Globo, foi suficiente para desgastar sua candidatura. Elegeu-se Moreira Franco; interrompeu-se o projeto dos CIEPs, que teria mudado a cara do Rio de Janeiro atual.

Com a derrota nas eleições presidenciais de 1989, que poderiam ter levado os CIEPs a todo o Brasil, Brizola se candidata no ano seguinte ao governo do Rio. Eleito, retoma seu projeto com gás total, tentando recuperar o tempo perdido. Para se ter dimensão do esforço despendido por Brizola nesse projeto, no ano de 1993, seu governo investiu 48% do orçamento do estado em educação! Ao todo, construiu 515 CIEPs, além de muitas escolas técnicas e uma universidade, a UENF.
No jornalismo da Globo, essa epopeia educacional pouco foi apresentada. No período, muitas denúncias, como habitual, e as manchetes da súbita explosão da violência no governo Brizola. O noticiário sobre o Rio de Janeiro tinha como foco os arrastões e muitas declarações de pessoas dizendo que a situação da violência “não tem como ficar pior”.
Para sentirmos o clima da época, um fato curioso foi a conhecida entrevista do Brizola ao Roda Viva em 1994, quando concorria pela última vez à presidência da República. O tema central da entrevista girou em torno da violência no Rio em seu governo. Com uma revista enrolada nas mãos, Brizola respondia a todas as questões até revelar que portava uma Revista Veja de 1981, que trazia na capa a manchete “Guerra Civil no Rio”, ilustrada com a foto de uma montanha de cadáveres, o que mostrava a antiguidade do problema. Outra curiosidade: em 1983, apenas 6 meses após assumir pela primeira vez o governo do estado, o próprio Brizola fora capa da mesma revista, com a manchete “O Rio com medo: a semana dos saques”.
Além da derrota na eleição presidencial de 1994, o PDT também perdeu a sucessão do governo carioca. Assumiu Marcello Alencar, do PSDB, que sepultou de vez o programa dos CIEPs. Em 1982, ficou famosa uma frase dita por Darcy Ribeiro na campanha: “Se os governadores não construírem escolas, em 20 anos faltará dinheiro para construir presídios”. Hoje, os cariocas colhem o efeito da derrota desse projeto e o orçamento do estado reflete essa tragédia: a Secretaria de Segurança Pública do estado absorve 12 bilhões de reais por ano e a Secretaria de Educação, 7 bilhões.
Qual o papel da mídia nisso?
O monopólio midiático torna os proprietários das concessões públicas de rádio e TV tão poderosos quanto os representantes dos poderes da República. Brizola dizia que Roberto Marinho deveria fundar o P.O.G. – Partido das Organizações Globo, para que disputasse eleições e tornasse legítima sua atuação política. O partido não foi fundado (talvez o Partido da Lava Jato seja o mais perto que tenham chegado disso, podendo vir a disputar a eleição de 2018) e o poder de construir a verdade conveniente aos poderosos continua intocado.
Na última semana, com a intervenção militar no Rio de Janeiro, a Rede Globo veiculou uma matéria no Jornal Nacional e na GloboNews, em que apresenta trechos de falas de governadores do Rio de Janeiro sobre o problema da violência urbana. Em ordem cronológica, igualou todos os governadores, desde 1983, mostrando o fracasso de suas políticas de seguranças, a despeito de suas promessas. Nessa narrativa, Brizola, Moreira Franco e Marcello Alencar ocupam o mesmo papel. O governador que criou os CIEPs e os que o enterraram são apresentados, pela empresa que serviu de coveira ao programa, como demagogos incompetentes. Em suma, a Globo continua cumprindo sua missão: manipulando os problemas brasileiros, ataca seus adversários políticos e desestimula a população a usar a única arma que dispõe para mudar efetivamente a realidade que é a política.
Ajuda da Força Nacional de Segurança, aumento do efetivo, compra de novas armas, intervenção militar, mudanças na legislação penal, construção de presídios etc. Não importa a solução que se apresente ao problema ou quais intenções ocultas estão guiando as ações. Nesses momentos de “crise”, cabe sempre lembrar o ensinamento de Leonel de Moura Brizola, que viu dentro dos olhos do monstro: “Se a Globo for a favor, somos contra. Se for contra, somos a favor.”