1. O SEGUNDO TURNO JÁ ESTÁ DEFINIDO?
Há cerca de seis meses das eleições, os cenários apontados até então pelas pesquisas eleitorais vêm condicionando muitos a apostarem que o resultado já está dado e não deve sofrer sensível alteração. A narrativa vendida principalmente pela grande mídia é que será decidida pela polarização Lula X Bolsonaro. Ainda que tenham suas diferenças, sobretudo no campo democrático e no respeito às instituições, ambos possuem muitas semelhanças.
A candidatura de Bolsonaro foi construída como antítese do Lulopetismo. Todos os segmentos que se sentiam marginalizados e pouco representados pelos governos petistas de Lula e Dilma (evangélicos, militares, armamentistas, ruralistas, etc.) viram em Bolsonaro a melhor alternativa para manter o PT longe do poder. Nas eleições de 2018, Bolsonaro representou tanto os interesses dos conservadores nos costumes, como dos liberais na economia. Em tese, o contrário do que defendem os petistas. Na prática, pouca diferença no modelo econômico.
O apelo daqueles que se renderam a essa polarização é que a democracia está em risco enquanto Bolsonaro estiver à frente do país. Nisso, têm razão. Contudo, é paradoxal quando sustentam que somente Lula é capaz de salvar a nossa democracia e derrotar Bolsonaro. Não é muito democrático invalidar candidaturas dos concorrentes. Os mais desesperados inclusive suplicam que aqueles que estão mais atrás abdiquem de seus projetos, e apoiem incondicionalmente o projeto de poder de Lula para que ganhe já no primeiro turno, e assim garanta o afastamento de Bolsonaro da presidência através das eleições.
Essa narrativa acima, irracional e emocionalmente apelativa, é perfeitamente conveniente para a candidatura de Lula, mas o mesmo não pode ser dito aos demais candidatos além de Bolsonaro. Alguns já se renderam. Depois de crescer, mas estacionar em 6 a 8% nas preferências dos eleitores, Moro mudou de partido. Migrou do Podemos para o União Brasil, desistindo de ser presidente para se candidatar pelo Estado de São Paulo, provavelmente pelo legislativo (deputado ou senador). Doria por pouco não abandonou também sua candidatura e quase que Eduardo Leite, seu adversário derrotado nas prévias do PSDB, lhe tomou o lugar. Simone Tebet, única mulher candidata até o momento, vem sendo pressionada a também desistir e apoiar um dos candidatos da direita.
Enquanto isso, Ciro Gomes vem resistindo aos ataques que vem sofrendo, seja de blogs petistas, seja da grande mídia, esta que ora o omite, ora o subestima. Ao contrário da grande maioria dos candidatos, Ciro Gomes possui um projeto para o país, um Projeto Nacional de Desenvolvimento, e não um mero projeto de poder. Um projeto que foi inicialmente apresentado nas eleições passadas, mas passou por aperfeiçoamentos que passaram pelo lançamento de seu livro “Projeto Nacional: O Dever da Esperança” em 2020, sua pré-candidatura no início desse ano e que constam atualmente no seu site e na página do Todos Com Ciro.
Nenhum dos seus adversários apresentou um projeto de governo tão robusto e bem embasado quanto Ciro Gomes. Dificilmente isso ocorrerá. Até a grande mídia se rendeu a reconhecer o projeto nacional de Ciro, não obstante divirjam, sobretudo, de suas propostas no campo da economia. Entretanto, até o momento, a discussão não vem sendo em torno das ideias e projetos, mas que candidato é mais viável e se sai melhor nas pesquisas, mesmo que não tenham tido oportunidade ainda de apresentarem suas propostas e debatê-las como ocorrerá quando a campanha for iniciada.
Portanto, é prematura qualquer previsão do resultado das eleições no primeiro turno, ainda por cima há seis meses das votações. Isso fica ainda mais evidente quando se analisa as pesquisas realizadas no passado e as perspectivas e possibilidades para até o início das eleições presidenciais.
2. PESQUISAS DAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS DOS ÚLTIMOS 20 ANOS
Apenas para ilustrar quão imprevisível pode ser o período dos seis meses que separam uma pesquisa do início das votações, um levantamento das eleições realizadas nos últimos 20 anos permitem um indicativo da volatilidade e incerteza que separa uma pesquisa eleitoral do seu pleito nesse intervalo de tempo.
Primeiramente, cabem algumas ressalvas. Apesar de parecer um bom tempo, nos últimos 20 anos (1998-2018) foram realizadas apenas seis eleições presidenciais. Portanto, é uma amostra relativamente pequena e estatisticamente insignificante. Alguém pode questionar por que não coletar desde 1989. Ocorre que naquela ocasião, estávamos tendo as primeiras eleições diretas para presidente desde 1960, ou seja, quase três décadas depois.
Então não se tinha um histórico construído satisfatoriamente para considerar a assertividade das primeiras pesquisas daquele pleito. Já as eleições de 1994 até poderiam ter sido incluídas na amostragem, contudo, crê-se que após dois pleitos eleitorais (1989 e 1994) nos primeiros 10 anos do retorno de nossa democracia, a partir de 1998 tenha sido tempo suficiente para que os institutos de pesquisas adquirissem a experiência e o conhecimento necessário para prever com maior exatidão os resultados eleitorais seis meses antes.
Além disso, escolheu-se o instituto Datafolha por ser um dos mais antigos e conhecidos. Alguns foram extintos, como o IBOPE no ano passado, o que dificultaria considerá-lo na análise das atuais pesquisas eleitorais, que são as que de fato estão sendo avaliadas. Nada impede, todavia, que se possam ser considerados outros institutos de pesquisa.
Tabela 1 – Comparativo pesquisas eleitorais da Datafolha em abril e resultados das eleições presidenciais – 1998-2018 – BRASIL
Fontes:
1998 – cesop.unicamp.br
2002 – folha.uol.com.br
2006 – cesop.unicamp.br
2010 – folha.uol.com.br
2014 – folha.uol.com.br
2018 – globo.com
É possível analisar a tabela acima (Tabela 1) sob dois prismas. Por um lado, avaliando o período dos últimos 20 anos, as pesquisas eleitorais para presidente realizadas em abril pelo Datafolha obtiveram boa assertividade na previsão dos candidatos que se situaram nas 1ª e 3ª colocações, com 5/6 de acerto, em torno de 83%.
Todavia, o mesmo não se pode dizer quanto ao 2º colocado, com acerto apenas em metade (50%) dos pleitos. Sendo, inclusive, que as pesquisas de abril do Datafolha não acertam quem será o candidato que ficará em segundo lugar desde 2006.
O grau de assertividade dessas pesquisas parece ter piorado desde aquele pleito. Principalmente desde as duas últimas eleições, alguns eventos foram importantes para dificultar o nível de acerto dessas previsões. Em 2014, tivemos a fatalidade do falecimento do candidato Eduardo Campos (PSB) no dia 13 de agosto, sendo substituído por sua vice, Marina Silva (na época no PSB).
Ainda assim, as pesquisas também apareciam com cenário com a candidata no lugar de Eduardo Campos. Considerando esse cenário, ela figurava em segundo lugar, a frente de Aécio Neves (PSDB), que foi quem acabou a ultrapassando e indo para o segundo turno.
Importante ressaltar que Marina foi atacada fortemente na campanha de Dilma Rousseff (PT), inclusive com inverdades sobre a sua pessoa e suas propostas, que sem dúvidas influenciaram nos resultados daquele pleito eleitoral.
Já nas eleições de 2018, tivemos dois eventos relevantes que afetaram a sua previsão. Primeiramente, com a estratégia petista de manter o nome de Lula até o último minuto como candidato oficial do partido, todas as pesquisas realizadas apareciam com o seu nome, mesmo depois de preso, justamente em abril daquele ano.
Lula foi considerado oficialmente inelegível apenas em agosto e o nome de Haddad foi anunciado somente em 11 de setembro, menos de 30 dias do início das votações no primeiro turno. Apesar disso, os institutos realizavam pesquisas em cenários com Haddad, que não passava de 2% até abril de 2018.
Outro ainda mais crucial na definição das eleições daquele ano foi o atentado que Bolsonaro sofreu em 6 de setembro. A facada em Bolsonaro acabou o retirando dos debates na televisão, em que ele não se saia nada bem dado o seu baixo nível intelectual e de conhecimento e experiência sobre assuntos pertinentes ao governo do país. Paradoxalmente, o episódio causou grande comoção e contribuiu fortemente para a sua ascensão nas pesquisas.
A despeito desses eventos supracitados, ocorridos em menos de dois meses das votações, se analisarmos os percentuais previstos e verificados no primeiro turno dos pleitos dos últimos 20 anos, veremos uma discrepância ainda maior. A pesquisa que mais se aproximou do percentual de votos do primeiro lugar foi em 2014 (39% contra 42%). Já nas eleições seguintes, o erro foi o maior da série: 17%, ante 46%, uma diferença de 29 pontos percentuais (p.p.).
Nas eleições de 2010, a pesquisa Datafolha previa que o segundo colocado ficaria com 28%, enquanto Serra obteve 33%. No entanto, ele figurava em 1º nas pesquisas, com 38% das preferências. Por sua vez, nas eleições de 2018, registrou-se a maior diferença na estimativa de percentuais de votos válidos. Haddad aparecia apenas na 8ª colocação, com meros 2%, quando terminou em 2º lugar, com 29% (cerca de 27 p.p. a mais).
Finalmente, a terceira colocada de 2006, Heloísa Helena (PSOL), teve a mesma votação prevista em abril (aproximadamente 7%). Por outro lado, no pleito posterior, Marina Silva (então no PV) figurava com 10% nas pesquisas, enquanto obteve 19%, mais de 9 p.p. acima.
3. DETERMINISMO E FATALISMO ELEITORAL
A narrativa brasileira que sustenta a polarização Lula X Bolsonaro como definida para o segundo turno das eleições presidenciais padece de dois vieses: determinismo e fatalismo. O primeiro é quando se supõe uma relação causal entre duas variáveis ou eventos, em que o efeito se encontra presente na causa. Como se estivessem fadados ou predestinados a acontecer, independentemente do livre-arbítrio e a liberdade de escolha dos indivíduos, ou de quaisquer outros eventos imprevistos que venham a ocorrer.
É como se todas as variáveis que explicam um comportamento ou evento já fossem suficientemente conhecidas e não precisasse ser acompanhado ou estudado para descobrir qual será o seu resultado. Existem vários exemplos: aumentos na taxa de juros reduzem a inflação, o nível de educação e patrimônio definem a renda individual, estereótipos e preconceitos relacionados a gênero, raça, orientação sexual, religião, naturalidade ou nacionalidade, etc.
Algumas previsões deterministas inclusive acreditam que o que ocorreu no passado se repetirá no futuro. Em Economia, chamamos isso de expectativas adaptativas. Um exemplo é dizer que se Lula ou Bolsonaro foram para o segundo turno nas eleições presidenciais passadas, então estarão também nas atuais. Ou ainda, observa-se uma falsa correlação ou causalidade, como a apontada na Tabela 1. O fato de uma pesquisa em abril demonstrar uma prévia não significa necessariamente que ela ocorrerá seis meses depois.
Já o viés fatalista é como se houvesse um destino irreversível, definido por um poder superior ou por uma lógica. Diante desse destino fatal, só restaria a resignação e o conformismo. Nada pode ser feito, uma sina imutável.
É bastante parecido com o determinismo e costuma ser confundido. Nesse caso, é quando afirmam, por exemplo, que Ciro Gomes só possui no máximo 12% dos votos ou que não há nada que possa fazer, pois estará fora do segundo turno. Que só restaria a ele desistir de sua candidatura e apoiar Lula, garantindo que Bolsonaro não comprometerá mais a democracia brasileira.
Ambos os vieses não passam de falácias. As pesquisas eleitorais até o momento nada mais são do que indicativos das preferências por enquanto. Elas não são imutáveis. Em seis meses, pode haver mudança significativa das preferências, como nas últimas eleições de 2018. Eventos dos mais diversos têm poder de alterar esse quadro, como por exemplo:
a) Desistência ou novas candidaturas: Moro já desistiu e Doria quase foi para o mesmo caminho. Eduardo Leite quase trocou de partido para concorrer e agora anunciou que pode ser vice de Tebet;
b) Algum candidato ser impedido de concorrer ou vir a adoecer/falecer: Lula teve sua candidatura impugnada em 2018, Eduardo Campos faleceu há menos de dois meses das eleições em 2014;
c) Uma aliança partidária ou campanha exitosa de algum candidato: Collor (1989) e Bolsonaro (2018) foram “azarões” que venceram em virtude do sucesso de suas campanhas. Lula fez uma aliança com o PL em 2002 que o ajudou a ser melhor visto pelo mercado, principalmente com sua “Carta aos Brasileiros”;
d) Algum fato novo ou impactante que mude o cenário: a facada em Bolsonaro em 2018 é talvez o maior exemplo.
Ademais, é preciso considerar uma visão prospectiva dos candidatos. O que pode influenciar nas preferências eleitorais de cada um nos próximos seis meses?
a) Lula (PT): por estar à frente nas pesquisas, certamente sofrerá ataques dos adversários. Será a primeira vez que concorrerá depois de ter sido preso. É visto como um candidato do status quo, e tanto seu nome quanto seu partido sofre severa rejeição. Vem se reunindo com nomes do MDB que tiveram envolvimento em esquemas de corrupção e no impeachment de Dilma (Renan Calheiros, Eunicio de Oliveira, Geddel Vieira Lima, etc.);
b) Bolsonaro (PL): dependerá do desempenho da Economia. A inflação segue alta, elevado desemprego e baixo crescimento. Também sofre denúncias de corrupção e vai ser cobrado pela responsabilidade na morte de mais de seiscentos mil brasileiros por Covid-19. Diferente de 2018, nessas eleições tem “telhado de vidro”;
c) Ciro Gomes (PDT): possui um forte coordenador de campanha (João Santana) e um ótimo projeto de governo, ao encontro das atuais necessidades do país. Precisa ainda receber mais apoio de outros partidos e costurar alianças que ajudem a projetar e fortalecer sua candidatura. É o candidato mais competitivo daqueles que pleiteiam disputar o segundo turno. Tem menor rejeição e espaço para crescer.
d) Doria e Leite (PSDB): alto nível de rejeição e baixa preferência eleitoral. Com a saída de Moro, é preciso observar quantos votos do ex-juiz migrarão para a sua candidatura. A permanência de Eduardo Leite no PSDB é uma incógnita, o partido está rachado e dificilmente conseguirá agregar apoio de outras siglas. Recentemente, declarou que pode apoiar Tebet como candidato à vice-presidência.
e) Tebet (MDB): única mulher pré-candidata até o momento. Seu partido não lançava candidato próprio desde 1994, quando Henrique Meirelles se candidatou à presidência em 2018. Também pode ser beneficiada com a retirada da candidatura de Moro. Ou ainda, caso o PSDB abandone a candidatura de Doria, Leite for lançado como vice-presidente de sua chapa. Seu nome enfrenta baixa rejeição, porém é a pré-candidata menos conhecida. Ainda, o MDB historicamente possui uma relação fisiologista de apoio a candidaturas de outros partidos.
Portanto, engana-se quem afirma taxativamente que as eleições serão definidas na polarização firmada por Lula e Bolsonaro. Certamente, é uma relação simbiótica, em que a repulsa por um candidato retroalimenta a preferência pelo outro. Entretanto, o Brasil não precisa se conformar em ter que escolher, necessariamente, por somente uma das duas candidaturas no primeiro turno. Haverá um leque de opções em que os eleitores poderão optar por mais candidatos, apreciando seus projetos e sua trajetória.
Nesse particular, Ciro Gomes está em vantagem, pois nenhuma das alternativas propostas para uma terceira via ofereceu um projeto de governo tão bem construído e aderente com as necessidades do povo e do país. O enfraquecimento dessas candidaturas pode lhe constituir um horizonte de crescimento nas preferências eleitores, permitindo até que ultrapasse Bolsonaro e termine na segunda colocação para enfrentar Lula no segundo turno.