Em algumas de suas últimas falas públicas, Ciro Gomes tem mencionado que teme o risco de Bolsonaro e Lula não comparecerem aos debates entre presidenciáveis em 2022. Apesar dos alertas quanto a isso, os principais grupos organizadores da conversação civil brasileira (mídia, campo político, terceiro setor, por exemplo) ainda não parecem perceber esse cenário nocivo.
O alerta de Ciro permite levantar o questionamento: o que faremos diante de mais um processo eleitoral que pode ser extremamente fragmentado e polarizado do ponto de vista da comunicação política?
Para que servem os debates?
Os debates televisivos com candidatos à presidência correspondem a uma tentativa mínima de fazer com que os principais pretendentes a essa função democrática demonstrem conter uma característica essencial ao cargo que pretendem ocupar: devem, ao menos nesses contextos, agir como debatedores públicos, que se permitem ser interpelados e questionados sobre suas ações e projetos.
O fato de estarem na co-presença uns dos outros e dispondo da mesma quantidade de tempo seriam meios mínimos para que nós, eleitores, pudéssemos fazer o essencial durante uma campanha eleitoral: comparar um a outro, por nossa própria conta. O caráter democrático disso está em fornecer momentos de visibilidade comum para que nós, eleitores, não tenhamos que acreditar na visão e nas críticas de um candidato sobre o outro.
Mas, com os impactos das mídias sociais e dos aplicativos de conversa, muitos candidatos buscaram algumas vantagens para si: comunicar-se somente pelas redes evita que estejam na co-presença de pessoas que possam fazer perguntas incômodas; fragmentando a comunicação política, impedem que os eleitores reconheçam outras opções (melhores) e que a comparação explícita leve à migração de votos.
O apreço dos candidatos pelos debates
A quebra de uma esfera de visibilidade comum e a substituição disso por “bolhas” online trouxe, por um lado, uma diminuição da influência manipuladora da grande mídia televisiva no processo eleitoral, a qual até então influenciava muito o processo. Por outro lado, o descaso com essas participações tem gerado verdadeiro prejuízo: o debate público político brasileiro está sendo extinto e, sem contato com as ideias de todos, os detentores atuais do poder terão muito mais chance de se manter.
Ainda em 2006, Lula deixou de participar de debates no primeiro turno das eleições, quando detinha o poder e concorria à reeleição. A aposta nisso como estratégia eleitoral após os escândalos do mensalão pode voltar a se repetir em 2022, quando Lula entende estar em uma posição confortável: conhecido fora das redes, sustentando seus canais online com alta profissionalização e se abstendo de propor, visto que basta a polarização com Bolsonaro para servir a si muito bem.
Já Bolsonaro vem se esforçando desde 2018 na construção de bons pretextos para não comparecer a debates ou a qualquer outro contexto onde possa haver contraste mínimo de ideias: desde motivos médicos, desprezo ou combate aberto ao jornalismo, chegando a organizar estruturas hierárquicas online que circulam alto volume de conteúdo com suporte estratégico estrangeiro.
Diante disso, torna-se compreensível que o alerta para que se cobre de Lula e de Bolsonaro o que farão quanto aos debates em 2022 esteja vindo de Ciro Gomes. Percorrendo o movimento contrário, o ex-governador aposta no debate público, se expõe a interações variadas (entrevistas, palestras, debates, podcasts) nas quais haja ou não afinidade de ideias e, com isso, arrisca-se a propor.
O alerta está dado
A fala de Ciro Gomes lança também o questionamento: Bolsonaro e Lula têm hoje condições de agirem com esse requisito mínimo a um futuro presidente, ou seja, têm condições de agirem como debatedores públicos sobre o Brasil?
Em 2020, uma proposta apresentada buscava tornar obrigatório que os canais de TV e rádio realizassem debates, mesmo diante da negação do comparecimento de alguns candidatos.
Para 2022, eleitores e os principais campos organizadores do debate democrático brasileiro devem estar atentos para as formas de cobrar, dessa vez, os próprios candidatos que estrategicamente se recusem a comparecer, para que eles/elas se exponham a questionamentos e comparações.
A organização de debates pelas redes sociais oficiais dos candidatos também pode ser cogitada, tendo em vista que debates nas redes podem ser retransmitidos ao mesmo tempo pelas páginas de todos os presentes, o que traria audiência considerável e não concentraria nos canais de TV e rádio a influência sobre o período eleitoral.
É preciso chamar atenção para o alerta de Ciro Gomes quanto a isso: o que faremos para resgatar uma esfera de visibilidade comum mínima para o debate público político brasileiro em 2022?