No último dia 27 de novembro, Ciro Gomes concedeu uma entrevista ao Valor Econômico, na qual comentou sobre os possíveis futuros do governo Bolsonaro e sobre a oposição brasileira.
Crítico da concepção econômica que tutela o novo governo e duvidoso das práticas políticas do presidente eleito, o pedetista desenvolveu um parecer da conjuntura nacional e explicou o que espera do novo governo e da nova oposição formada no Legislativo.
“É atributo do presidente eleito desenhar seu governo”
Fazendo referência ao passado recente do Brasil, quando uma oposição derrotada nas eleições de 2014 recorreu a todas as instâncias possíveis a fim de questionar a legitimidade do governo eleito, o ex-ministro afirmou que a democracia se deteriora pelo caminho do desrespeito às eleições.
CIRO GOMES: É um atributo do presidente eleito desenhar seu governo, recrutar as pessoas que entenda como convenientes e oportunas. Esse respeito ao eleito é um ritual que está muito desmoralizado no Brasil. É por aí que a democracia também se deteriora. Não vi nenhuma violação da democracia. […] Até aqui, 27 de novembro, às duas da tarde, nenhuma violação à democracia aconteceu. Aconteceram violações da regra democrática, eleitoral, mas de parte a parte.
Questionado sobre considerar o presidente eleito uma “pessoa de extrema direita” ou não, Ciro lembrou que, como disse na campanha, considera-o “uma cédula de 3 reais”. “Sai de uma agenda miúda, de bajulação corporativa dos militares reformados, para uma defesa da memória de 1964, e acaba achando uma oportunidade de negar tudo que está aí, mesmo sendo exatamente parte orgânica e central de tudo de pior que está aí”, completou.
CIRO GOMES: A ideia de que [Jair Bolsonaro] será outdoor, um ‘relações públicas’ na Presidência, e que vai feudalizar o poder real em superministros fragmentários… isso não pode dar certo no presidencialismo e nem na conjuntura brasileira, que é trágica. Porque tem um problema de concepção que herdamos de Fernando Henrique [Cardoso] e do PT. E você não encontra a solução que estão propondo. Por exemplo, o que a gente consegue filtrar da agenda do Paulo Guedes, que eu conheço há muitos anos? É um cara razoável, nunca foi brilhante, é egresso [da Escola] de Chicago, parou de ler nos anos 1980 e definitivamente não leu nada depois de 2008.
A vocação de Paulo Guedes
Sobre Paulo Guedes, “guru econômico” e “posto Ipiranga” de Jair Bolsonaro, Ciro ressaltou a “vocação” de ganhar dinheiro do futuro Ministro da Economia, quando perguntado pelo entrevistador sobre este ter “ganho bastante dinheiro”, mas focou sua crítica na concepção econômica do co-fundador da BTG Pactual.
CIRO GOMES: Continua ganhando bastante dinheiro, essa é a vocação dele. Nunca teve vocação para lidar com pessoas e nenhuma vivência no serviço público. Mas a questão é que a concepção dele está desmoralizada no campo teórico. Não há mais uma única cabeça relevante no planeta Terra que defende o Consenso de Washington. Tem umas questões básicas, fáceis de entender, que é reduzir o Estado a uma dimensão mínima, desentranhá-lo do domínio econômico, que deveria ser um teatro monopolista da iniciativa privada, e esperar daí que, cumprida essa agenda, nós seremos salvos – pelo capital dos outros – da nossa imprudência, da nossa incapacidade conceitual de nos compreender como nação e de desenhar nossa estratégia.
Não existe precedente teórico nem empírico disso em nenhuma nação, em tempo algum. Na concepção econômica, não vejo como dar certo diante do baixo nível de formação bruta de capital, de gravíssima desqualificação do nosso capital humano, do grave problema de infraestrutura, da falta de financiamento privado e público da economia, da crise fiscal sem precedentes e da crise patrimonial que sinaliza rupturas.
Essas são as questões que deveriam ser tratadas. De outro lado, a questão da concepção política. Há um problema gravíssimo de hiperfragmentação da representação política no país, é um fim de ciclo, e a coesão não será feita por cooptação individual como [Bolsonaro] está fazendo. Esse é o cenário certo do fracasso. Você pode tentar repetir aquilo que já vimos, que é lotear o governo, o que dá errado também, ou tentar uma outra e audaciosa relação.
A entrevista completa pode ser conferida no site do Valor Econômico.