No início desse ano, António Costa, o socialista eleito primeiro ministro de Portugal em 2015, sustentou com orgulho diante do Parlamento Europeu: “Pela primeira vez desde a adesão ao euro, Portugal cresce acima da média da União Europeia. Fizemos diferente, mas cumprimos as regras.” Dado bastante impressionante já que o país entrou na Zona Euro em 2002. De lá pra cá, Portugal passou pro maus momentos, com carestia de vida piorada com a nova moeda e altas taxas de desemprego que fizeram com que milhares de jovens optassem pela migração para outros países.
O fardo de ser um dos menores e menos industrializados países da Europa Ocidental, terminou com o país com a faca da austeridade do FMI ameaçando seu pescoço e com um governo que já estava na fase de cortar as pensões das viúvas. Entre 2011 e 2014, Portugal aderiu à troika, programa de intervenção do FMI em parceria com a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu para a concessão de empréstimo, que impôs duras medidas de austeridade ao país que, ao final desse período, exibia uma país em recuperação moderada, tímida redução de endividamento público e privado e que tinha menos produção e empregos que antes da crise.
Em entrevista um pouco antes das eleições de 2015, o jornalista Ricardo Pereira de Araújo perguntou ao então candidato António Costa se a austeridade dele seria “muito mais ‘meiga’ e ‘boazinha’ que esta que estamos?”. Ao que Costa respondeu: “Em época de campanha eleitoral toda austeridade é maquiada para ser boazinha. Mas não existe austeridade boazinha, ela é mesmo má. Por isso é necessário virar a página e passarmos a nos concentrar naquilo que é essencial: melhorar o rendimento das famílias, criar condições para as empresas investirem e criar emprego.”
António Costa é definido como um político seguro de si, persistente e temperamental. Sob a sua liderança formou-se a geringonça, palavra que significa “estrutura frágil e de funcionamento precário” e o apelido, na época pejorativo, que ganhou o bloco que a esquerda portuguesa constituiu para derrotar a direita nas eleições gerais de 2015, converteu-se em sucesso. A eleição de António Costra primeiro-ministro e o funcionamento da geringonça se traduziu em pouco tempo no fim dos cortes em salários e pensões, a reversão da precarização de contratos de trabalho e um sistema fiscal mais justo. Ao contrário da receita neoliberal imposto pela troika alguns anos antes, a gerigonça fez a economia crescer, a diminuição do deficit público e do desemprego de 15% para 9%.
Para o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, o sucesso da geringonça se deve a exploração do ponto mais forte do capitalismo, sua capacidade de adaptação. Opondo resistência de forma organizada: “Quem estudou capitalismo sabe que ele sobrevive desde o século 16 porque tem capacidade de adaptação extraordinária. Quando há uma resistência organizada, institucional, politicamente consistente, ele se adapta.”
Diferentemente de Portugal, o Brasil é um país de proporções continentais e com problemas de tamanho equivalente, mas também com potencialidades igualmente grandes. Uma gerigonça nossa, que paute uma política econômica na contramão da austeridade do receituário neoliberal e traga uma recuperação econômica e social como a que Portugal vem experimentando, precisa se fechar num projeto também desafiador e organizado e concernente a realidade do país, que é o que apostamos quando falamos sobre o projeto nacional de desenvolvimento.