O que é inflação?
Presente no dia a dia das pessoas, a inflação é um fenômeno econômico que requer ser controlado e, preferencialmente, restringido. A mídia sempre destaca a sua preocupação para que não cresça significativamente. Mas o que vem a ser inflação? Basicamente, seu conceito é quando há uma alta generalizada e contínua dos preços de bens e serviços de uma determinada economia. Ou seja, uma elevação pontual nos preços de um setor pouco representativo no orçamento da maioria dos indivíduos (ex.: joias) ou das empresas (ex.: produtos de limpeza) não significa, necessariamente, que uma economia esteja enfrentando algum processo inflacionário.
Quais são os males da inflação para os consumidores?
A inflação, quando descontrolada, pode ser prejudicial para as famílias, pois como a sua restrição orçamentária geralmente é constante, limitada a sua renda, reduz a sua capacidade de compra de bens e serviços, piorando a sua satisfação e bem-estar. Exige que tenham que cortar ou diminuir a quantidade de itens para que o seu conjunto de despesas caiba em seus orçamentos. Ainda, a inflação pode impactar na diferença entre preços relativos, quando o preço de um determinado produto aumenta mais que de outro, restringindo a capacidade do consumidor de julgar se o seu preço está mais elevado do que a média.
O que prejudica as empresas?
Com as empresa acontece algo semelhante. A inflação, em geral, provoca uma elevação nos custos administrativos (material de escritório, informática, etc.) e/ou custos de produção (insumos, máquinas e equipamentos etc.) das empresas. Porém, pode também repercutir no aumento da receita, quando o bem ou serviço oferecido pela empresa também registra uma variação positiva no seu preço (ex.: aumento do preço do petróleo para a Petrobras). Mas a inflação, quando em níveis muito elevados, dificulta a previsibilidade de empresários nos seus investimentos na capacidade instalada. Isso distorce as projeções econômico-financeiras, uma vez que afeta as estimativas de tempo de retorno e a rentabilidade esperada de um investimento.
Como a inflação afeta os governos?
Além disso, os governos também são impactados pela inflação. Se por um lado, a receita tributária pode ser incrementada com elevações generalizadas dos preços, o mesmo ocorre com as suas despesas. Todavia, nem sempre essas elevações ocorrem na mesma proporção e no mesmo período. Como a base de cálculo de tributos, usualmente, apresenta uma distância de alguma dezena de dias da sua efetiva cobrança e arrecadação, pode ser que a inflação registrada em um determinado mês só influencie a receita do governo no mês seguinte, enquanto as despesas tendem a acompanhar a inflação de igual período. Esse fenômeno é chamado de Efeito Olivera-Tanzi e ocorreu no Brasil quando a inflação era extremamente elevada, superando dois dígitos por mês.
Os tipos de inflação
Nos manuais de economia, a inflação é classificada conforme o seu nível. Quando apresenta patamares módicos ou reduzidos, é chamada de inflação moderada. Todavia, quando chega a níveis mais elevados, é usualmente chamada de inflação crônica. E finalmente, quando o seu índice é altíssimo e sai do controle das autoridades responsáveis, chama-se de hiperinflação. Nesse processo, distingue-se por variações em crescimento exponencial e pela perda da função de unidade de conta da moeda. Comumente, quando isso acontece, como no Brasil entre 1986 até o primeiro semestre de 1994, os consumidores convertem os preços a uma moeda mais estável, como o dólar, para poderem ter mais noção do nível de preço de um determinado bem ou serviço.
Já quando a economia não apresenta crescimento econômico, mas os preços seguem em alta, é definido como um processo de estagflação. Nesses casos, políticas econômicas que busquem redução da demanda não surtem efeito para recuar a inflação. Por sua vez, existem situações em que há queda dos níveis de preços, gerando um fenômeno chamado de deflação. Se por um lado, pode beneficiar consumidores, por outro é prejudicial às empresas, que vem reduzirem a sua receita e, consequentemente, a sua lucratividade, inibindo a realização de novos investimentos na produção.
Finalmente, um fator importante que pode dificultar políticas econômicas voltadas à redução da inflação é um alto grau de indexação, ou seja, quando os preços e tarifas de bens e serviços são atrelados à variação de indicadores de inflação. Isso acaba por provocar um efeito de retroalimentação da inflação, restringindo a capacidade do governo promover o combate a aumento de preços. Com isso, resulta em um problema de inércia inflacionária.
As causas
Muitos economistas, sobretudo aqueles mais ortodoxos e ligados ao mercado, creem que a inflação é um fenômeno meramente monetário (por isso, também são chamados de monetaristas). Logo, qualquer situação em que há um excesso de oferta de moeda para circular para transações de bens e serviços é considerada a principal causa de desencadeamento de um processo inflacionário. A literatura classifica como uma inflação de demanda. Uma vez que a taxa de juros é também considerada como o preço da moeda, esses economistas defendem que seja elevada para reduzir a oferta de moeda e, com isso, controlar o nível da inflação. Desse modo, o responsável pela definição do nível da taxa de juros referencial (no Brasil, a SELIC), em última instância, é o Banco Central, que usa principalmente esse instrumento para controlar a inflação.
Todavia, nem todos os economistas atribuem apenas ao mercado monetário a responsabilidade pela causa de inflação. Outra origem de processos inflacionários são aumentos nos preços de insumos provocados por choques de oferta, como quebra de safra agrícola ou restrições na oferta de petróleo, ou ainda pela variação de moeda estrangeira, encarecendo a importação de matéria-prima ou máquinas e equipamentos. Por esse motivo, chama-se de inflação de custos.
Uma corrente heterodoxa da economia identifica como causa da inflação a excessiva concentração de poder de mercado (oligopolização) em alguns setores, como na produção de bens intermediários (insumos e matéria-prima) e infraestrutura, o que pode ocasionar em níveis de preços mais elevados. A esse fenômenos se convencionou chamar de inflação estrutural. No Brasil, economistas ligados à Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL), da Organização das Nações Unidas (ONU), foram os que mais estudaram essa causa de inflação.
Planos brasileiros de estabilização da inflação
Até a primeira metade dos anos 1980, a maioria dos planos econômicos tinha por objetivo o crescimento e desenvolvimento econômico, como Plano de Metas (JK) ou II PND (Geisel). As exceções foram o Plano Trienal, no governo Jango, que buscava ao mesmo tempo conter o déficit público e o crescimento inflacionário, e o Plano de Ação Econômica do Econômica (PAEG), no governo Castelo Branco, que além do combate à inflação, promoveu reformas no sistema financeiro, tributário e na política externa, e buscava também o crescimento econômico.
A partir de 1986, inicia-se uma série de planos de estabilização, com o objetivo exclusivo de debelar a inflação. No governo Sarney, tivemos os planos Cruzado I, Cruzadinho, Cruzado II, Bresser, Política de Feijão-Com-Arroz e Verão. Em geral, adotaram-se medidas heterodoxas como congelamento de preços e gatilho salarial, mas também sucessivas trocas de moeda, corte de zeros e algumas medidas mais ortodoxas, tal como aumento da taxa de juros e redução de gastos. Com a eleição de Collor, foram dois planos (Collor I e II). O primeiro implantou ações similares às medidas dos outros planos (congelamento de preços, troca de moeda etc.) mais uma medida bastante controversa, o confisco da poupança. Em todos os planos, a inflação sempre retornava, e a um patamar maior do que antes, culminando num processo hiperinflacionário crônico.
Finalmente, foi o Plano Real, com três fases entre 1993 e 1994, que logrou derradeiramente o fim da hiperinflação no Brasil. Esse resultado foi obtido através de medidas fiscais e privatizações (Plano de Ação Imediata – PAI), a adoção de uma Unidade Real de Valor (URV) e, por último, a implantação da nova moeda (Real), sustentada por um regime cambial fixo, na maior parte, como banda cambial, que funcionou até janeiro de 1999.
Política econômica recente para controlar a inflação
Após sucessivos choques especulativos decorrentes das crises ocorridas no México (1994), Tailândia (1997) e Rússia (1998), o governo estressou o uso de medidas de aumento da taxa de juros e gasto de reservas cambiais. Decorreu desse contexto a necessidade de alterar a política econômica. Foi então que o governo de FHC chamou Armínio Fraga para o Banco Central, que criou o que é conhecido atualmente como tripé macroeconômico (metas de inflação, câmbio flutuante e superávit primário). Mesmo com mudanças significativas na presidência, essa diretriz vem sendo mantida até hoje por governos de diferentes orientações ideológicas.
O atual cenário inflacionário
O cenário econômico brasileiro desde a pandemia vem sendo caótico e imprevisível. Após uma queda de -4,4% do PIB em 2020, o desempenho nos dois primeiros trimestres desse ano foi bastante ínfimo (1,2% e -0,1%, respectivamente). A taxa de desemprego chegou a 14,1% no 2º trimestre de 2021, menor que no trimestre anterior (14,7%), mas maior que no final do ano passado (13,9%).
Não bastasse essa conjuntura desfavorável, a inflação vem subindo consideravelmente, a despeito da demanda ter crescido bem abaixo e pressionando muito pouco o aumento dos preços. As razões da inflação vir se elevando continuamente são diversas. Nos últimos meses, houve aumentos expressivos nos preços das commodities (minério de ferro, cobre, alumínio, entre outros). Combinada com uma forte desvalorização cambial, recrudesceu intensamente os preços desses bens em reais.
Os preços administrados (regulados) vêm também contribuindo para esse patamar da inflação, devido a reajustes tarifários na distribuição de energia elétrica acima da média (impactados principalmente pelos custos de geração), bem como os preços de combustíveis derivados de petróleo. Já os preços livres, estes apresentam variações mais expressivas nos alimentos, como carnes, aves, ovos e leite.
Os combustíveis registram elevações consideráveis, sobretudo, por causa da política de preços praticada pela Petrobras desde o governo Temer, e mantida por Bolsonaro. Ao invés de refletir os seus custos de produção, o preço do petróleo desde então é calculado com base nos valores praticados no mercado externo de commodities, vinculando aos preços internacionais cotados em dólares. Com isso, o preço da gasolina sofreu uma alta de 73,4% em 2021, contra 65,3% no diesel.
Com uma política cambial errática, afetada pelas declarações estapafúrdias diariamente de Bolsonaro e Guedes, acabam por ferir a credibilidade da política econômica por parte do mercado. Isso estimula ataques especulativos quanto à cotação do real frente ao dólar, provocando depreciação do câmbio, o que reflete em vários preços. Um exemplo por demais conhecido é a máxima de Ciro Gomes, quando usa o exemplo do pão, que é feito de trigo, e como boa parte é importado de outros países, é pago em moeda estrangeira. Quando há uma desvalorização cambial, eleva o custo do trigo e, consequentemente, o preço do pão comprado pelo consumidor. Ciro simplifica essa cadeia de eventos, afirmando que “pão é trigo, e trigo é dólar”.
Para tentar combater a inflação, o governo precisa enfrentar uma situação em que o IPCA acumulado nos últimos 12 meses até outubro atinge 10,67%, ante uma meta de 3,75% em um intervalo de tolerância de 1,5 pontos percentuais (p.p.). Ou seja, situa-se o dobro do teto da meta de inflação (5,25%). Como o crescimento do PIB tem sido baixo até então, estamos passando ainda por uma estagflação.
Os fatores que mais têm impactado sobre os preços são todos pelo lado da oferta e da produção, ou relacionados à política econômica do governo federal, no caso o câmbio. Por esse motivo, podemos diagnosticar que estamos atualmente enfrentando uma inflação de custos. O aumento dos preços administrados também acarreta em uma inércia inflacionária, ainda que menos expressiva do que a que tivemos entre 1986 e 1993.
Logo, por causa disso que mesmo o governo tendo aumentando a taxa de juros SELIC de 2,0% em novembro de 2020 para 7,75% em igual período de 2021, essa elevação de 5,75 p.p. não se mostra suficiente, pois não incide sobre a verdadeira causa inflacionária. Se tivéssemos uma inflação de demanda, tal medida poderia surtir melhor efeito. E o aumento da taxa de juros ainda prejudica a oferta de crédito, restringindo consumo e investimentos na produção, portanto, diminuindo o ritmo da retomada da atividade econômica.
Como o PND de Ciro Gomes contribuiria para o controle da inflação?
Ciro Gomes já se manifestou diversas vezes criticando o atual modelo econômico embasado apenas no tripé macroeconômico. Conforme afirmado em artigo recente, a política econômica instrumental, de curto prazo, é que deve ser submetida a apoiar um Projeto Nacional de Desenvolvimento (PND), de longo prazo, e não o contrário. Então, na hipótese de Ciro Gomes ser eleito e implantar o seu PND, certamente a política econômica instrumental ficaria a serviço de seu projeto. Portanto, muito provavelmente que uma inflação de custos como atualmente não seria combatida tão somente pela taxa de juros.
Ademais, suas propostas para a política industrial também propiciariam uma melhora na oferta de produtos, reduzindo os preços aos produtores e, por conseguinte, aos consumidores. Para o complexo industrial de petróleo, gás e bioenergia, propõe o ajuste na política de preços da Petrobrás, de modo a refletir o seu custo de produção, e o aumento de tecnologia para produção de derivados de petróleo. Isso refletiria positivamente na redução de preços dos combustíveis.
No complexo industrial da saúde, Ciro pretende substituir importações de material e equipamentos hospitalares, bem como medicamentos com patente vencida, através da produção interna desses bens. Além de diminuir custos para o SUS, também pode proporcionar uma redução nos preços desses produtos.
Por outro lado, no complexo industrial do agronegócio, com a criação de indústrias de processamento de cereais e frutas e de defensivos, fertilizantes e implementos agrícolas, a oferta interna desses produtos podem reduzir custos de produção e seus preços junto ao consumidor.
Ainda, para a reativação da construção civil, a proposição de investimentos em infraestrutura logística em planos de metrôs urbanos, coordenados com BRTs e VLTs, além de diminuir o tempo de deslocamento de trabalhadores e demais usuários do transporte urbano, tenderá a provocar uma queda nos custos com transporte no orçamento familiar.
A política para a cultura, propondo maior acesso e consumo de bens e serviços culturais, bem como a construção de uma indústria cultural para produção de serviços de streaming nacionais, produções locais de séries, filmes e novelas pode repercutir na queda de preços desses serviços nos itens lazer e comunicação do orçamento das famílias.
Já a política agrícola pretende incentivar projetos de infraestrutura para melhor escoamento da safra, a produção de trigo e armazenamento de frutas e legumes e a já citado produção nacional de defensivos e fertilizantes.
À guisa de conclusão, obviamente, políticas econômicas de curto prazo são fundamentais para o controle inflacionário. A redução da instabilidade política já contribuiria, por exemplo, na apreciação e previsibilidade do câmbio. Contudo, por serem incapazes de incidirem sobre todas as causas de nossa inflação de custos, vem se mostrando insuficientes. O Brasil possui fortes gargalos na produção agrícola e industrial, assim como na infraestrutura. Através de um PND como o proposto por Ciro Gomes, é possível que seja ampliada a oferta de bens e serviços à população, contribuindo positivamente para a queda e controle da inflação.