É preciso reconhecer a grande repercussão, desde sexta-feira (13), causada pelo programa Greg News sobre Ciro Gomes. Como de costume, Ciro realizou sua live na terça-feira seguinte (17). No quadro Ciro Games, entrevistou o economista Eduardo Moreira e realizou alguns reacts rebatendo dados e informações equivocadas apresentadas no programa da HBO. Ciro havia convidado Gregório Dudivier, o apresentador do Greg News, para um debate em seu programa, todavia, por impossibilidade de agenda do comediante nas terças-feiras (dia em que grava o Greg news), o debate foi transferido para uma edição especial do Ciro Games nesta sexta (20).
Após a Ciro Games, Gregório Duvivier publicou um tweet afirmando que:
Como é possível ver na imagem, Gregório sustentou que, com exceção do erro sobre o motivo da saída de Ciro Gomes do cargo de Ministro da Fazenda no Governo Itamar Franco, “Todas as outras informações estão corretas, checadas e com fonte – enquanto as fontes do Ciro, ao que parece, são vozes da sua cabeça”. Essa tentativa frustrada de desqualificar as críticas de Ciro Gomes demonstra pouco conhecimento sobre fontes de informação jornalísticas.
Como, afinal, classificamos as fontes de informação?
Com relação a um fato, as fontes podem ser classificadas como primárias ou oculares, quando estão conectadas diretamente aos fatos, ou secundárias, ligadas indiretamente aos fatos, sendo consideradas independentes. Portanto, como o tema do programa foi sobre Ciro Gomes, qualquer interpretação alheia a respeito dos fatos de sua vida lhe interessa e este tem legitimidade para contra-argumentar.
Entretanto, segundo o Manual de Redação da Folha de São Paulo, muito utilizado pelos profissionais de jornalismo, as fontes podem ser classificas conforme o grau de confiabilidade:
- Fonte tipo zero, quando é “escrita e com tradição de exatidão, ou gravada sem deixar margem a dúvida: enciclopédias renomadas, documentos emitidos por instituição com credibilidade”, etc., geralmente sem necessidade de cruzar com outras fontes;
- Fonte tipo um, sendo “a mais confiável nos casos em que a fonte é uma pessoa”, “tem histórico de confiabilidade – as informações que passa sempre se mostram corretas. Fala com conhecimento de causa, está muito próxima do fato que relata e não tem interesses imediatos na sua divulgação”.
- Fonte tipo dois, apresenta “todos os atributos da fonte tipo um, menos o histórico de confiabilidade. Toda informação de fonte dois deve ser cruzada com pelo menos mais uma fonte (do tipo um ou dois), antes de publicada”.
- Fonte tipo três, apresentando menor confiabilidade, quando “é bem-informada, mas tem interesses (políticos, econômicos etc.) que tornam suas informações nitidamente menos confiáveis”. A Folha sugere duas formas para usar a informação de fonte tipo três: ”funcionar como simples ponto de partida para o trabalho jornalístico ou, na impossibilidade de cruzamento com outras fontes, ser publicada em coluna de bastidores, com a indicação explícita de que ainda se trata de rumor, informação não-confirmada”.
Pode-se argumentar que, no presente caso, Ciro Gomes seria uma fonte tipo três, pois apesar de confiável, possui interesses políticos. Contudo, é importante a ressalva da Folha que a fonte do tipo um “não é um oráculo indesmentível e a fonte três pode trazer informações valiosas para o leitor” e até “mesmo uma boa fonte zero pode conter erro de informação”.
Quando um programa jornalístico se propõe a fazer uma matéria cujo tema é a biografia de uma determinada pessoa, sobretudo quando esta está viva e lúcida, é recomendável que ela venha a ser entrevistada. O próprio manual da Folha orienta que “a maioria das notícias publicadas no jornal tem entrevistas como matéria-prima”. O objetivo, segundo o manual, é que “o leitor conheça opiniões, ideias, pensamentos e observações de personagem da notícia ou de pessoa que tem algo relevante a dizer”. O entrevistador pode usar seus questionamentos para tentar extrair alguma contradição ou exigir do entrevistado uma melhor argumentação para comprovar a veracidade de um fato ou versão. Logo, mesmo sendo uma fonte tipo três, a sua visão dos fatos é valiosa e merece ser considerada.
Greg News: jornalismo ou entretenimento?
Ocorre que esse importante recurso jornalístico não foi empregado pelo programa Greg News na construção da edição sobre Ciro Gomes. Vale ressaltar que o Greg News não se propõe a ser um programa jornalístico, mas um programa de entretenimento que emula e satiriza os telejornais. Não cria nenhum conteúdo informativo novo e é apresentado recorrendo apenas a fontes secundárias. Logo, em tese, não se pode cobrar do Greg News um rigor na aplicação de técnicas jornalísticas consagradas.
Ora, sendo um programa de entretenimento, apresentado por um ator comediante, sem formação jornalística (Gregório é formado em Letras), a defesa de que as fontes de informação usadas no seu programa estão corretas e devidamente checadas é irrelevante. Seu programa, tampouco ele próprio, são suficientemente qualificados para sustentar interpretações a respeito de fatos, seja sobre a vida de Ciro Gomes, seja sobre a vida de qualquer outra pessoa. Sequer têm credibilidade para rebater as “vozes da cabeça” do Ciro.
Uma piada sem graça
O pior de tudo não é a reprodução de fake news ou “erros factuais”, como Gregório veio a afirmar em público, mas usar o seu mero programa de entretenimento para embasar a proposição da retirada de candidatura de Ciro Gomes à presidência do país em prol de Lula. Este sequer teve a grandeza de fazer uma autocrítica sobre os erros dos governos do PT, como envolvimento em esquemas de corrupção e a forte recessão econômica em 2015-2016, tampouco apresentar um projeto de governo que demonstre capacidade para combater as grandes mazelas econômicas e sociais (inflação, desemprego, miséria, pobreza etc.) e solucionar a crise político-institucional em vigor no país, ambas agravadas dramaticamente pelo atual governo.
Essa proposta de Gregório é ultrajante e de uma irresponsabilidade sem tamanho. O comediante não possui qualquer competência jornalística, muito menos qualificação como cientista político, que lhe dê o embasamento necessário para conferir credibilidade a sua proposta, sobretudo em um programa de entretenimento. Merece ser ignorada e rechaçada, ou na melhor das hipóteses, ser ridicularizada por parecer mais uma piada.
O Brasil não é a Ucrânia, que decidiu democraticamente eleger um comediante para presidência do país, possuímos quadros muito mais qualificados e aptos para o cargo. Se Gregório sonha em lograr ser um novo Zelensky, precisa estudar muito para conhecer o país, o funcionamento do Estado, adquirir experiência administrativa nos setores público e privado e propor um bem fundamentado programa de governo, como Ciro Gomes teve a competência de fazer. Até agora, só conseguiu ser âncora de um programa de entretenimento, está muito longe de ser uma voz influente na decisão de lançamento e apoio de candidatos ao mais alto posto do país.