País historicamente de maioria cristã, o Brasil vem experimentando uma transformação no perfil de sua população religiosa, cada vez mais de adesão evangélica (no censo de 2010 correspondiam a 22% dos brasileiros). Quer se goste ou não, e não é esse o objetivo do nosso texto, é um dado da realidade que dia-a-dia influencia na arena política nacional.
Esse tema foi tratado por Ciro Gomes em sua entrevista a Bruno Torturra pelo Estudio Fluxo. Para Ciro, a maneira com que parte da esquerda aborda essas questões afasta o povo do campo progressista. Não faltam nas redes exemplos de arrogância, e mesmo deboche, com a religiosidade popular a partir, por exemplo, dos exemplos caricatos (e criminosos) “mercadores da fé” que exploram crenças. Todavia, não se pode tratar toda essa imensa população como uma multidão de tolos enganados e manipuláveis. Nas palavras de Ciro: “Como se a massa de evangélicos no Brasil fosse uma massa de idiotas que não tem capacidade e autonomia intelectual para não se deixar explorar por picareta. Como as pessoas se sentem com isso? Isso é um distanciamento da vida do povo.
“Como as pessoas se sentem com isso?” A partir dessa pergunta, é fácil compreender que rotular pessoas como uma “massa de idiotas” as humilha e, consequentemente, as afasta. E, para a vida política eleitoral, tem custado ao campo da esquerda, várias eleições. Qual pode ser a saída então? Evangelizar-se ou criar “núcleos evangélicos” dentro dos partidos, como propõem alguns?
Para Ciro, é preciso fazer o movimento contrário, ao invés de apostar em mais nicho de identidade – cuja soma de todas não corresponde ao “interesse coletivo” – é mudar o campo de debate. Defender e orientar que a religiosidade, a adoração ou não ao sagrado, é uma questão privada e intima que deve ser respeitada. Inclusive na opção de ser religioso, mas que é incompatível com a política. Além de perigoso, pois alguém alçado ao poder como suposto representante de Deus, poderia dispor até da vida de todos em nome Dele.
Quando tiramos o debate político destas questões, podemos voltá-lo para os temas de interesse do povo e com o qual os projetos de esquerda tem total afinidade: emprego, saúde pública, educação de qualidade, bem-estar social. Resgatar a política para temas de intesse coletivo, por outro lado, a fortalece. Criando, a partir da própria política, sentimento de pertencimento e comunidade que hoje estão quase todos a cargo das religiões, devido ao esvaziamento de coletividade social e a cada vez mais sentida, ausência do estado e de suas políticas públicas.
Essa reflexão, como alerta Ciro, não se trata de encontrar “culpados” ou apontar supostos erros do passado, mas de compreender essa realidade com respeito e empatia entender o povo que se tem: “A gente precisa entender isso com muita humildade.”