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Fake Checking – Qual a margem de erro aceita pelas agências “investigativas”?

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Não é raro observarmos agências “investigativas” ou até mesmo jornalões tradicionais publicarem o que chamam de checagem de dados. Em muitos dos casos, a checagem é utilizada para promover ou prejudicar o investigado. Ainda mais quando a checagem diz respeito aos presidenciáveis.
É fato que a maioria dos presidenciáveis anda pelo Brasil dando entrevistas, fazendo palestras, e participando de eventos dia e noite no período de pré-campanha. Com um ritmo como esse é no mínimo natural que ocorram pequenos desvios ao apresentarem alguns dados (a não ser que os presidenciáveis saiam por aí com apresentações de powerpoint e lendo roteiros e manuais).
Mesmo é assim, é curioso observar que as checagens de dados parecem escolher a dedo os “fatos” a serem verificados. Na última checagem feita pela Agência Pública, Geraldo Alckmin teve oito frases verificadas, sendo cinco verdadeiras, duas falsas e uma exagerada. Dessa vez chegou a hora de Ciro Gomes. Das suas oito frases verificadas, foram cinco falsas, uma exagerada, uma impossível provar e uma discutível (depois correram atrás e uma falsa virou verdadeira).
Foram escolhidas oito frases a serem verificadas com base em dois eventos: uma entrevista a Rádio França Internacional (com duração de 23 minutos), e uma palestra na Universidade de Sorbonne (com duração de 70 minutos). De um total de 93 minutos de fala, oito frases foram escolhidas a dedo – primeiro vamos olhar para as frases escolhidas, depois voltamos a falar da escolha das frases.
O título tendencioso da matéria é: Ao falar do Brasil, Ciro Gomes usa dados falsos e exagerados! Esse título em si já é falso e exagerado, convenhamos. Vamos falar sobre isso:
Antes de qualquer coisa, destacamos que a avaliação feita considera as seguintes categorias: FALSO, EXAGERADO, DISCUTÍVEL, IMPOSSÍVEL PROVAR e VERDADEIRO. Ao mesmo tempo, a agência não apresenta parâmetros para categorizar o exagerado, não apresenta margem de erro tolerável, e nada parecido. 

“[O Brasil teve] 64.700 homicídios nos últimos doze meses.”

A agência diz ser impossível provar. Na matéria ela afirma que os dados reais para homicídios para o ano de 2017 apontam para 61.238. Ciro errou aqui por 5,3%. Ah, mas os dados são de 2017 e o Ciro fala dos últimos 12 meses.
Amigos leitores, é sério mesmo? Quanto seria uma margem tolerável para vocês? Se ao menos tivessem classificado como “VERDADEIRO, MAS…”

“A escalada do crime organizado e das facções criminosas produz uma impunidade de quase 92% ­– só 8% dos homicídios são esclarecidos.”

A agência diz que é falso, apesar de ser um dado publicado em documento oficial da Estratégia Nacional de Segurança Pública (Enasp). A taxa média de homicídios esclarecidos, de acordo com o documento referência para a Estratégia Nacional de Segurança Pública para cinco capitais é de 10 a 15%. O Instituto Sou da Paz, referência da Pública, afirmou em estudo recente que cerca de 80% dos crimes não são resolvidos no Brasil.
Por mais que o dado apresentado pelo Ciro esteja abaixo dos 10 a 15% apresentados, isso de forma alguma diminui o argumento do Ciro de que no Brasil o crime está impune?

“A dívida absolutamente explosiva tem hoje R$ 1,184 trilhão, ou seja 26% da dívida pública, vencendo em 4 dias.”

A agência diz que é falso. Os R$1.184 trilhão apontados por Ciro Gomes, que vencem em 4 dias e que correspondem a mais de 1/4 da dívida pública, cujo vencimento pode levar o Brasil a uma crise bancária, são dívida contraída/rolada pelo Banco Central em Operações Compromissadas. Tal espécie de operação não é contabilizada pelo Tesouro Nacional (que expede dívida propriamente dita), mas sim pelo Banco Central, que detém tal instrumento, em tese para regular a liquidez dos Sistema Financeiro (Bancos). Porém, operação compromissada é concretamente uma dívida com o compromisso de pagamento/rolagem, em curtíssimo prazo, pelo Banco Central, que pertence à União.
As informações estão no Instituto Fiscal Independente, do Senado Federal, em documento publicado por Josué Alfredo Pellegrini. De falso, isso não tem nada.

“O déficit da Previdência, depois de subtraídos os seus recursos pela DRU [Desvinculação de Receitas da União], chegou a R$ 180 bilhões ano passado.”

A agência diz que é falso o dado informado pelo Ciro. Na verdade, ao invés de 180 bilhões, Ciro deveria ter afirmado que eram 192 bilhões. Ciro errou aqui por 6,67%.
Mais uma vez fica a dúvida, qual a margem de erro tolerável para a Agência Pública?

“O Brasil está se desindustrializando como nenhum outro país no mundo.”

A agência afirma que isso é discutível. Primeiro concorda com Ciro ao fazer a análise de 1960 a 2016 onde a participação da indústria caiu de 29,6% para 11,7%. Depois afirma que isso não é tão evidente ao observarmos um aumento da produção industrial em 2012 e 2018. Será honesto intelectualmente comparar períodos tão distintos? Ciro estava falando de um período de 30 anos, não de um período de 5 anos.
Depois disso, a agência ainda mostra o Relatório da ONU que evidencia o Brasil com a maior queda industrial em todos os países estudados. E apresenta um monte de outros dados que mais confundem o leitor do que esclarecem. Chamam isso de discutível.
Todos que estudam industrialização sabem que produção física não é o indicador utilizado. Indicador de industrialização é participação do valor adicionado da indústria no valor adicionado total ou participação do emprego na indústria ou no emprego total. Além do mais, os “especialistas consultados pela agência” são mesmo especialistas na matéria? Ou são aqueles que já tem a resposta esperada para o assunto?

“Quando o Lula toma posse a taxa de câmbio a valor de hoje estava a R$ 9,20. E o Lula entrega pra Dilma a valor constante com taxa de câmbio de R$ 1,75. Ou seja, na constância do governo Lula o povo aumentou em 4 vezes a capacidade de consumir.”

A agência diz que é exagerado. Considerando os índices utilizados pela agência os valores seria de R$ 8,54 e não de R$ 9,20 como afirmou Ciro Gomes. E no Governo Dilma a taxa seria R$ 1,65 e não R$ 1,75. Ciro errou por 7,2% na primeira e 5,8% na segunda.
A moeda valorizada aumenta o poder de compra da população no curto prazo sim, como ocorreu nos últimos anos, mas a médio prazo aumenta as importações e prejudica as empresas locais. Todo mundo fica feliz com a queda dos preços importador e as viagens mais baratas para o exterior, mas a médio prazo todo mundo perde o emprego. E foi isso que aconteceu no Brasil.
Mesmo partindo do princípio que os indicadores usados pela agência são os únicos, como pode 7,2% ser exagero, mas nos outros itens acima com erros menores de 7,2% a afirmação ser considerada falsa?

“O governo federal faz uma intervenção no Rio, mas constrangeu o Rio de Janeiro, num acordo recente pelo colapso fiscal, a não repor policiais aposentados. Está proibido de fazer concurso no Rio.”

A agência diz que é falso. Realmente aqui o Ciro deslizou ao afirmar que o Rio não poderá repor policiais aposentados. Mas daí pra dizer que é falsa a frase inteira? Quem não vai concordar que o Rio de Janeiro foi constrangido? Ficou evidente que o estado não pode fazer concursos em geral. Se for considerar a frase inteira, talvez aqui a classificação devesse ser exagerado. Ou então poderia se selecionar apenas a parte dos aposentados e classificar como falso.

“O Brasil tem a mais perversa distribuição de renda de todas as sociedades organizadas que eu me dei a observar. Olha o número: cinco pessoas têm fortuna equivalente a 100 milhões de nacionais, que vem a ser a metade da nossa população.”

A agência havia considerado o dado falso por não serem 5 pessoas e sim 6. Mas agora, depois de milhares de acessos, atualizou. Agora afirmam que o dado é verdadeiro. O único verdadeiro. Mesmo assim, como reverter o impacto de milhares de pessoas que leram achando realmente que era falso?
Voltamos agora para a seleção das frases as serem checadas.
Quando os críticos estudam a fala de Ciro e só conseguem apontar esses “exageros”, é sinal de que Ciro Gomes está, no mínimo, caminhando ao lado da verdade. Imaginem que, segundo a agência, foram selecionados dois momentos para serem investigados. Os dois juntos totalizam cerca de 90 minutos de fala.
Os noventa minutos de fala consistem em falas importantes e profundas sobre:

  1. A posição do PSDB em relação a corrupção no Brasil
  2. O julgamento do ex-presidente Lula e sua possível candidatura
  3. A escalada do crime organizado e das facções criminosas
  4. A falência das instituições no estado direito nacional
  5. Tempos processuais nos tribunais brasileiros e a lei da ficha limpa
  6. História política do Brasil e eventos recentes da política brasileira
  7. Atual situação eleitoral e polarização política no Brasil e no mundo
  8. Atributos de Bolsonaro e análise de seus apoiadores
  9. Protagonismo judiciário, “anarquia” institucional e colapso do poder político
  10. O projeto conservador de abominação da política
  11. A agenda da redemocratização
  12. Desvalorização do câmbio após a reeleição de FHC
  13. Movimento Fora FHC
  14. O poder de compra no governo Lula
  15. Preconceito de classe da elite brasileira
  16. Desvalorização do câmbio no governo Dilma
  17. Os 80 processos respondidos por danos morais
  18. Fidelidade partidária x coerência de ideias
  19. PEC do Teto
  20. Negação da constituição
  21. Esquizofrenia da burguesia brasileira
  22. Preço das commodities
  23. Ministério da Fazenda e Banco Central
  24. A felicidade referida ao consumo
  25. Política externa brasileira
  26. O conflito na Venezuela
  27. A concepção do Projeto Nacional Desenvolvimento
  28. A rede de proteção social no Brasil (salário mínimo e despesas sociais no Brasil)
  29. ProUni, FIES, renúncias fiscais
  30. A crise de 2008 nos EUA
  31. O paradigma pedagógico no Brasil e os rankings internacionais de educação
  32. As condições de financiamento global
  33. As relações bilaterais entre os EUA e China e seus conflitos
  34. Crescimento da população do Brasil e demandas de emprego no país
  35. Sistema tributário do Brasil no mundo
  36. A situação fiscal dos estados brasileiros
  37. Direitos humanos e apelos identitários
  38. Governo de Dilma Rousseff e o impeachment
  39. Sistema carcerário do Brasil
  40. Universalização do ensino básico no Brasil
  41. Problemas de emprego nos países desenvolvidos
  42. Governança sem o PMDB
  43. Condições socioeconômicas do Nordeste
  44. Expansões e retrações do crédito no Brasil
  45. O que é ser de esquerda?
  46. História do Plano Real

Isso mesmo. Todos os pontos apresentados acima foram debatidos nos 90 minutos de conversa. De todos esses noventa minutos, a agência escolheu 8 frases para apontar para “exageros e mentiras”.
No entanto, desde a publicação da matéria a agência já fez duas atualizações corrigindo erros na verificação de dados. E nós aqui, tentamos mostrar que a verificação de dados feita pela agência não é imparcial, não tem metodologias definidas, e o mais importante: está errada. Errada ao pesquisar pouco em sua checagem de dados e errada ao tirar frases de contexto.
Além disso, chama a atenção o fato de eles conversarem apenas com pessoas que não estão inseridas no debate e terem opiniões contrárias às do Ciro.
De 8 frases pinçadas pela agência em meio a um mar de debate, absolutamente todas foram checados contra Ciro. Uma “IMPOSSÍVEL PROVAR”, cinco “FALSOS”, uma “DISCUTÍVEL”, uma “EXAGERADO”. No entanto, o presidenciável teve uma margem de erro de menos de 10% em quatro. Possivelmente errou por pouco mais de 10% em outro, teve um fato erroneamente classificado como falso (depois corrigido), teve um fato mal investigado e realmente deslizou em apenas um.
E é bom ressaltar uma coisa: Ciro Gomes não será a única vítima disso. Isso vai vir pra cima de todos os presidenciáveis. Temos que ter cuidado com o que vem pela frente.
Ao invés do termômetro FALSO, EXAGERADO, DISCUTÍVEL, IMPOSSÍVEL PROVAR e VERDADEIRO; que tal utilizar um termômetro com as seguintes classificações:

  1. Verdadeiro
  2. Maioria verdadeiro
  3. Exagerado
  4. Sem fundamentos
  5. Tendencioso
  6. Falso
  7. Propaganda enganosa

Também valeria apresentar uma metodologia de classificação para cada um dos itens, apresentando margens de erro aceitáveis e outros requisitos básicos para que possam fazer as categorizações de forma transparente. Dizemos isso porque, por mais que não tenha sido a intenção, para alguns pode parecer que as últimas verificações feitas estão sendo usadas como instrumentos de propaganda.