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Declarações “fakes” de Ciro: contrapontos à análise do G1

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Um dia após à realização da entrevista de Ciro Gomes (PDT) na Central das Eleições, na última quarta-feira (27), o portal de notícias G1 da Globo divulgou uma análise das principais declarações do pedetista. A equipe da Globo checou as informações dadas por Ciro, classificando-as como “Fato”, “Não é bem assim” ou “Fake”. Na matéria, não se demonstra quais critérios utilizados para essa classificação.

Ocorre que alguns dos apontamentos classificados como “Não é bem assim” ou “Fake”, com o perdão da redundância, não são bem assim ou é “fake” que sejam “fakes”. Melhor dizendo, dão margem para outra interpretação ou contra-argumento.

Declaração 1: feminicídio

A primeira declaração de Ciro classificada como “fake” pelo G1 é a seguinte:

“Nós temos que entender o que está acontecendo. Por que está crescendo o feminicídio no Brasil? Que é um crime de gênero também. É preciso ter clareza disso”.

A justificativa da equipe da Globo é que, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, houve uma queda de 1,7% nos feminicídios em 2021, comparado ao ano anterior. Por outro lado, reconhecem que nesse tempo, há um aumento da violência contra mulheres que resulta em ameaças, lesão corporal e estupro.

Contudo, na fala de Ciro não há qualquer menção a qualquer período, sobretudo ao ano de 2021. Ou seja, o fato de ter tido uma redução dos feminicídios no ano passado, não significa que seja a tendência verificada nos últimos anos. De acordo com o mesmo anuário utilizado como fonte pelo G1, os feminicídios cresceram de 929 em 2016, primeiro ano analisado, para 1.341 em 2021, um aumento de 44%. Para se ter uma ideia da dimensão dessa variação, basta considerar que a população de mulheres projetada pelo IBGE foi de 104,8 milhões para 2016 e 109 milhões em 2021, um crescimento de apenas 4%. Logo, nesse período, os feminicídios cresceram 10 vezes mais que a população feminina.

 

 

Caso se queira contra-argumentar, afirmando que se precisa avaliar somente desde o início do atual governo, foram 1.229 feminicídios em 2018, o que representa uma elevação de 9% até 2021, enquanto se estima que a população de mulheres tenha crescido apenas 2%. Desse modo, no governo Bolsonaro (2019-2021), os assassinatos de mulheres por questão de gênero subiram 4,5 vezes mais que a população feminina.

Declaração 2: complexo industrial da saúde

A segunda avaliação do G1 questionável é da declaração a seguir, sobre a produção nacional na área da Saúde:

“Particularmente nós destruímos o complexo industrial da saúde, porque quase não resta mais nada de base nacional. Portanto, importamos tudo, do foco cirúrgico ao princípio ativo do Tylenol, nós estamos comprando tudo do estrangeiro”.

Segundo o G1, uma estimativa da Associação Brasileira da Indústria de Insumos Farmacêuticos (ABIQUIFI) aponta para uma produção interna de medicamentos e vacinas de apenas 5%. Portanto, foi classificada de “Não é bem assim”. Considerando que a mesma fonte informa que nos anos 1980, esse percentual era de 50%, a primeira frase de Ciro se mostra adequada e correta. Ao passo que, quando ele afirma que “importamos tudo”, pode até ser um exagero, mas não invalida a argumentação e mensagem que Ciro quis passar para os telespectadores e demais que o assistiram. A avaliação dessa declaração pela equipe do G1 demonstra certo preciosismo.

Declaração 3: polícia federal

Outro equívoco na análise do G1 é com relação à declaração de Ciro sobre o efetivo da Política Federal (PF):

“A Polícia Federal de um país de 212 milhões de habitantes tem onze mil e seiscentas pessoas trabalhando”.

De acordo com o G1, o Departamento da Polícia Federal possui 16.825 servidores em exercício, conforme dados do Portal da Transparência. Nesse caso, o Ciro teria subestimado em 45% o total do efetivo da PF, o que fez o G1 classificar a fala do pedetista como “fake”.

Porém, percebe-se que a quantidade de servidores em exercício informada pelo G1 não confere com os dados do portal. Em exercício no Departamento da Polícia Federal, são 15.065 funcionários, e não 16.825 como informado pelo G1. Além disso, o mais importante é saber quantos são vinculados e estão ao mesmo tempo em exercício na PF. Neste caso, o número reduz para 14.684 servidores. Logo,Ciro não errou em 45%, como dito pelo G1, mas em 27%. Por esse erro, seria mais adequado classificar a declaração de Ciro como “não é bem assim” do que “fake”.

Declaração 4: pedidos de impeachment

Mais outra declaração classificada erroneamente de Ciro foi sobre os pedidos de impeachment:

“O Lula pediu o impeachment do Itamar Franco. O Lula pediu o impeachment do Fernando Henrique Cardoso e não assinou nenhum pedido de impeachment do Bolsonaro”.

Segundo o G1, essa afirmação de Ciro seria “fake”, pois ainda que o PT tenha apresentado 4 pedidos de impeachment contra Fernando Henrique Cardoso (FHC), Lula não teria se envolvido significativamente nessas iniciativas. O embasamento para essa avaliação é a manifestação de dois deputados do PT na época.

Primeiramente, basear uma análise sobre Lula a partir de declarações de antigos correligionários não parece apresentar a devida isenção. Ainda, a equipe do G1 avaliou de forma literal a declaração de Ciro. É sabido o poder exercido por Lula dentro do PT, sobretudo durante os governos Itamar e FHC. Usando do mesmo tipo de fonte empregado pelo G1, um pronunciamento da então senadora pelo PSOL, Heloísa Helena, de 08 de setembro de 2005 aponta que Lula “sempre conduziu com mão-de-ferro a estrutura partidária”. Heloísa Helena acusou Lula inclusive de saber sobre o Mensalão, portanto, pedidos de impeachment de deputados do PT dificilmente seriam submetidos à Câmara Federal sem o aval do ex-presidente.

A análise feita da declaração de Ciro pela equipe do G1 é ao pé da letra, literalmente. Ao dizer que “Lula pediu impeachment”, mesmo que ele não tenha assinado, a intenção de Ciro é responsabilizá-lo, por ser o líder mor do partido e que nada dessa magnitude seria feito sem a sua aprovação, ao encontro do que declara Heloísa Helena em seu discurso.

Uma prova factual de que Lula participou de pedidos de impeachment protocolados pelo PT (exceto contra Bolsonaro) é esse artigo da ex-senadora Ana Amélia Lemos, em que mostra uma foto de Lula ao lado do então deputado José Dirceu (PT), protocolando pedido de impeachment contra o presidente FHC (PSDB).

 

O pedido de impeachment contra Itamar Franco (sem partido), em 1994, protocolado pelo então deputado federal Jacques Wagner (PT), segundo reportagem da Folha de São Paulo da época, mostra que a motivação teria sido disponibilizar a MP do Plano Real à avaliação da equipe da campanha de FHC. Na reportagem, mostra que “o ex-deputado Luiz Eduardo Greenghalgh criticou ontem, em nome da coordenação da campanha de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a atitude de Hargreaves”. Ora, claramente, o candidato à presidência do PT era o principal interessado no pedido de impeachment pelo partido. Não foi ele quem o protocolou, mas certamente teve a sua anuência.

Declaração 5: pontos comerciais

Finalmente, a última declaração de Ciro na entrevista classificada de “fake” é relativa ao número de estabelecimentos comerciais fechados:

“Quatrocentos mil pontos de comércio foram fechados no Brasil, no desastre do PT pra cá; trinta e oito mil indústrias foram fechadas no Brasil do desastre do PT pra cá”.

O argumento usado pela equipe do G1 é, com base nos dados da Pesquisa Anual de Comércio (PMC) do IBGE, a comparação com o nº de estabelecimentos comerciais em 2002 (1.221.717), um ano antes do PT assumir a presidência, e em 2016 (1.546.646), último ano de governo petista, o que indicaria um aumento de 324,9 mil estabelecimentos durante esse período. E mesmo comparando ao último ano da série, em 2019, quando o nº de estabelecimentos caiu para 1.434.139, ainda indicaria um saldo positivo de 212,4 mil desde 2002.

Já os dados da indústria também mostrariam erro de informação, de acordo com o G1, pois a Pesquisa Industrial Anual (PIA) registrava 149.987 estabelecimentos industriais em 2002, crescendo para 321.200 em 2016, um incremento de 171,2 mil no período.

Todavia, mais uma vez, o G1 se equivoca na interpretação da declaração de Ciro. Quando o pedetista fala do “desastre do PT” não se refere a todo os governos petistas de 2002 a 2016, mas aponta para um período mais específico, a recessão econômica do triênio 2014-2016. Assim, segundo a mesma pesquisa do IBGE, o maior número de estabelecimentos comerciais foi no ano de 2013 (1.742.825). Desse modo, na comparação ao ano de 2019, o saldo é negativo em -308,7 mil estabelecimentos comerciais, número bem próximo do informado por Ciro.

O mesmo se verifica quanto à indústria, uma vez que, segundo a PIA do IBGE, o maior número de estabelecimentos industriais é também em 2013 (334.976). Logo, desde esse período, há uma queda de 31,4 mil no nº de indústrias, até superior ao número apontado por Ciro na entrevista. Há de se ressaltar que Ciro não menciona a fonte nem deixa evidente os anos de comparação, isto é, sua assessoria pode esclarecer essas questões. Portanto, essa declaração poderia ser classificada como “não é bem assim”.

Em síntese, a classificação de declarações “fake” ou que “não é bem assim” na entrevista de Ciro Gomes no programa Central das Eleições, na Globonews, é passível de críticas, diante dos contra-argumentos supracitados. A falta de exposição dos critérios de classificação fragiliza, igualmente, ainda mais a análise realizada pela equipe do G1, algo que pode ser aperfeiçoado nas próximas avaliações. A priori, não há que se acusar de parcialidade ou má-fé por parte do G1. Ao que parece, diferentemente do programa Greg News, são “erros factuais” que podem ser facilmente esclarecidos e ajustados pelo portal de notícias. O questionamento aqui feito da análise do G1 demonstra a alta precisão de Ciro Gomes no uso de dados e informações, resultado de seu notório conhecimento e experiência, o que lhe gabarita como o mais capacitado e qualificado candidato à presidência nas eleições de 2022.