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Ciro no Conexão Xangai (4): investimento, infraestrutura e PND

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No último domingo (6), Ciro Gomes deu uma de suas melhores entrevistas. Uma verdadeira aula de Brasil. O papo, que durou mais de duas horas, pode ser resumido em aproximadamente 35 páginas de conversas inspiradoras sobre os entraves e caminhos para o país que sonhamos.
Em homenagem a essa entrevista, estamos dando continuidade a uma série de publicações destacando cada uma das participações de Ciro no Conexão Xangai, programa apresentado por André Roncaglia, Paulo Gala, Elias Jabbour e Uallace Moreira. Esta publicação é a parte 4 deste documento.

[PARTE 4] INVESTIMENTO, INFRAESTRUTURA E PROJETO NACIONAL

ELIAS JABBOUR:
Nós somos minoritários no debate hoje. Hoje só tem dois partidos políticos no Brasil que têm projeto nacional no programa, que são o PCdoB e o PDT. O discurso nacionalista, desenvolvimentista, não empolga mais o Brasil. E até acho uma benção não se dizer nacionalista, eu acho superestranho. Até porque, nosso grande desafio hoje é a reconstrução do capitalismo brasileiro. E a reconstrução do capitalismo brasileiro passa pela reconstrução do setor privado da nossa economia. A Operação Lava Jato destruiu cadeias produtivas inteiras do Brasil. E eu vou colocar algumas ideias aqui pra você comentar.
Primeiro, acredito que é possível, e é nosso grande desafio interno, a recomposição dessas pelo Estado. O Estado brasileiro oferecer, via leniência, a recomposição desse setor. Além disso, tenho colocado também que nós temos que garantir reserva de mercado para esse capital privado. Aí, temos que montar na institucionalidade. Voltar a ter diferença entre capital privado e capital estrangeiro na constituição, não é? E consórcios públicos privados capazes de, por exemplo, triplicar o número de linhas de metrô entre São Paulo e Rio de Janeiro, e levar metrôs, por exemplo, para trinta cidades diferentes, ou seja, eu acho que falta para a esquerda isso. É por isso que eu acho que existe uma crise de pensamento. Pensar o Brasil nesses termos, ou seja, reconstruir o setor privado brasileiro, fechar consórcios públicos privados, entregar pra esse setor privado mais Estado e essas infraestruturas urbanas. Eu acho que falta muito isso. É muito macroeconomista pensando no Brasil. Seja heterodoxo, e seja ortodoxo macroeconomista. E tem muita pouca gente pensando nas coisas em termos de economia política, propriamente dita.
A segunda questão: A nossa tendência brasileira de não ter condições de planificar o desenvolvimento a partir de tendências que nós criamos. Ou seja, nós não somos um país socialista, como a China, em que os grandes meios de produção são socializados, e não somos um país capitalista desenvolvido, onde existem instituições que podem impulsionar o princípio da demanda efetiva. Então, um dos desafios é termos inteligência suficiente para planejar a partir de uma tendência vinda de fora. O Juscelino Kubitschek, por exemplo, percebe isso, ele importa o automóvel, e a contrapartida interna é a constituição do maior parque metal-mecânico do mundo na década de oitenta. E a esquerda brasileira não sabe disso. Isso destruído. E vejo, hoje, que existe uma tendência mundial, que a China coloca, que é a da exportação de grandes bens públicos.
Eu acredito que o desafio brasileiro também passa por preparar o nosso território para receber cem, duzentos, trezentos, quatrocentos bilhões de dólares, investimentos chineses de infraestrutura. E condicionar esses investimentos, né? Ou seja, o Irã condicionou a ampliação da sua malha ferroviária, a construção do metrô de Teerã, onde a China vai entregar essas tecnologias para eles, o Paquistão a mesma coisa. E eles estão fechando um acordo semelhante com a Argentina. E para isso o Brasil vai precisar de cem mil, duzentos mil engenheiros de projeto para preparar o território brasileiro.
Aliás, eu sou contra o alinhamento automático com a China. Eu estudo a China há vinte e cinco anos, eu tenho livros lançados sobre isso. Eu sou a favor de sermos altamente pragmáticos em matéria de política externa. Mas eu vejo essa tendência, eu gostaria muito.
CIRO GOMES
O que você falou vai abrindo a caixa de ferramentas disponíveis para quem se libertar da interdição mental e dessa simplificação grosseira que é a ideia de botar a economia política brasileira numa espécie de piloto automático, imune aos políticos. Teto de gasto, metas de inflação, superávit primário, câmbio flutuante, tudo desconsiderando a realidade. Se a gente transforma a economia política brasileira numa espécie de piloto automático, agora com o teto de gasto, você simplesmente vai ver que o crescimento econômico, condição sine qua non para o desenvolvimento, pelo menos em base não violenta. Eu não conheço experiência internacional de distribuição de renda com a economia de uma década parada. Não vejo como isso possa acontecer sem violência, que é o que eu advogo que nós ainda insistamos nisso. Mas voltar a crescer significa libertar o Brasil dessas amarras todas. Pra você ver onde dialeticamente começa a necessidade.
Algumas coisas não têm status constitucional. Não sei se você me acompanha, mas eu chamei o Moro do que ele precisava ser chamado (um grande bandido a serviço da competição estrangeira). Eu sabia bastante bem o que eu estava dizendo. E eu disse que faria a leniência de todo mundo. Porque quando explodiu a crise de 2008 nos Estados Unidos, aquilo foi um cassino de muita fraude. Os americanos puniram severamente as pessoas e protegeram, refinanciaram e revitalizaram as empresas. Só um país como o nosso assistiu passivo a destruição de grandes conglomerados de engenharia que estavam tendo relevância no balanço de pagamento do país exportando serviço. É bem verdade que a corrupção facilitou o caminho, mas quem deflagrou essa campanha foram os órgãos de inteligência americano, a quem o seu Sérgio Moro servia e serve. Todo mundo sabe que Sérgio Moro hoje trabalha para a empresa americana que está administrando a massa falida da Odebrecht. Um leque de ética, absolutamente inexplicável em qualquer país minimamente sério.
[Aqui fizemos um pequeno ajuste de parágrafos para facilitar a leitura]
Hoje tem uma ferramentaria que você elencou aí. Nós já fizemos no Ceará. O imposto de heranças no Brasil é 4%, no Ceará é 8%, que é o teto permitido. Aqui, no Ceará, nós já fizemos o grande salário de Coronel, de juiz, de desembargador, pagar 14% para previdência. No Ceará, eles obrigaram o teto de gastos, mas excluíram o investimento do teto. Ainda pagamos um salário de professor melhor do que São Paulo. Temos 87 nas 100 melhores escolas públicas do Brasil, expandimos investimento ano após ano. O investimento per capita do Ceará é o maior do Brasil, e somos um dos estados mais pobres do país, nominalmente nós estamos em terceiro lugar, em valores nominais e em valores per capita (receita corrente líquida disponível para investimento) é o maior valor do Brasil há muitos anos. Eu, governador, esterilizei 100% da dívida imobiliária do Ceará, com vinte anos de antecedência do seu vencimento. Tinha 36% por cento de receita corrente líquida livre para investimento, separei 3% e fui comprando com deságio via corretora do Banco do Estado do Estado, que eu não deixei privatizar. Eu privatizei nada, não é? Um estado como o Ceará sabe como o Estado faz a diferença de vida ou morte para as pessoas. Inclusive no desenvolvimento.
Vejam o esforço de desenvolvimento industrial do Brasil… é um retrocesso. Enquanto isso, o PIB industrial do Ceará só cresce, todo ano. Nós agora fizemos uma mega siderúrgica aqui no Ceará, é a única ZPE que funciona. E está funcionando com uma mega empresa dentro, inclusive a White Martins, uma siderúrgica, que é a Posco, e a Vale do Rio Doce. O que me comove é que a gente vê o resultado das coisas concretas acontecendo. E eu tô falando isso só pra qualificar um pouco o que eu tô dizendo.
Eu quero, entretanto, ponderar que o ponto de partida, necessariamente, é libertar o Brasil dessa interdição. Vocês sabem bem o que representa o teto de gastos. O Brasil precisa se livrar do teto de gastos. Por quê? Porque se eu fizer uma reforma tributária e se eu [aumentar a arrecadação] pegar trezentos bilhões de reais por ano, como a minha reforma propõe, na receita, eu vou ter que jogar isso tudo no saco sem fundo da dívida, Jabbour. Eu não posso usar um centavo para nada que você está me propondo. Mas tem mais coisas, debêntures conversíveis em ação para determinados empreendimentos que estão privatizados. Nós já chegamos a rabiscar emenda constitucional para criar um fundo para financiar infraestrutura do país, que aí é um misto de expansão de dívida e lote especial de títulos que o Banco Central vai portar como pré-fixado, com prazo longo, para investir e criar um uma agência ou algo do gênero pra passar o pente fino, Uallace, naquilo que é essencial nesse plano de país.
ELIAS JABBOUR:
Eu estudei, no meu mestrado, as infraestruturas na China, ou seja, os investimentos de infraestrutura, ainda de transporte, como forma de enfrentamento à crise de 1997. E descobri, na época, por que a usina de Três Gargantas, que é a maior usina hidrelétrica do mundo, que os chineses formaram na corporação para levantar fundos, um mercado de capitais chineses, financiou essa obra. E é inacreditável como que nós não pensamos, no Brasil, em uma corporação semelhante para o trem bala Rio São Paulo.
Eu acredito que a solução para os nossos problemas está no sistema financeiro de longo prazo e também no mercado de capitais. Acho que falta criatividade intelectual para a esquerda brasileira. A gente fala muito em demanda agregada em macroeconomia, né? E eu não falo isso pra você, pelo amor de Deus.
CIRO GOMES
Mas eu preciso ser ajudado, percebe? Porque eu virei um um cara esquisito, falando obviedades, eu virei um cara esquisito, estranho. Mas veja, eu sou um cara da política. E eu não tenho uma ideia que não esteja em linha com a melhor ciência, a melhor prática internacional e, evidentemente, com os valores que o advogado. E eu advogo com argumentos muito agressivos. Eu digo assim: não há um único experimento de êxito civilizatório que não encontra por detrás de si um Estado forte.
Ô Amoêdo, me negue isso aí, rapaz. Ô Paulo Guedes! Digam pra mim: cê tá errado, mordeu a língua, tem um lugar tal que fez isso. Mas não tem. Isto é que eu estou condenando: a falta de método no debate brasileiro.
Agora vamos a ferramentaria, deixa eu lhe dizer, eu acho três trilhões de reais no primeiro ano do meu primeiro mandato. Três trilhões de reais, assim. Eu antecipei, de boa fé, [uma das minhas ideias] e eu me odeio. Fundos vinculados têm um trilhão de reais. Você não pode pegar os quatrocentos bilhões de reais, duzentos e cinquenta bilhões de reais do FUSP e aplicar. Mas eu passei o pente fino, achei cento e setenta bilhões de reais. Aí pedi a um companheiro que faz parte da minha equipe econômica, o economista Mauro Benevides Filho, colega de vocês, tá lá na Câmara e é um gênio, e disse: Mauro, faz uma proposta pra gente dar um lastro para não ficar só esculhambando? Para o Paulo Guedes pagar o socorro emergencial de 600. Nós fizemos o projeto, pronto, aprovou, o presidente sancionou, sabe o que que o Paulo Guedes fez com 170 bilhões? Jogou no déficit primário, deixou o povo sem socorro emergencial. No Brasil, o problema é a imaginação mesmo, interdição, intoxicação ideológica.
Meu irmão, se você olhar o que a Secretaria do Tesouro Nacional apura como nossa capacidade de endividamento … Endividamento é assim, Banco Mundial fez pra nós um SWAP. Pela primeira vez na história do Banco Mundial. Eu mostrei pra eles, olha, você obriga a gente aqui a contratar consultor, correr a Secretaria do Tesouro e o Senado. Por que que vocês não fazem? Nós somos bons pagadores, a União Federal tem uma procuração para reter no assunto de participação, isso aqui é líquido. Eles entenderam e sabem o que acontece agora? A parcela que nós devemos pro Banco Mundial, eles deixam conosco e a gente vai renovando compromissos de indicadores sociais e econômico e tanta gente compra quanto eles deixam a parcela conosco. Nós temos um cheque especial com o Banco Mundial. Pois bem, esse Estado tem esse nome com o Banco Mundial. Mas [com a Secretaria do Tesouro Nacional] não pode. Porque a Lei de Responsabilidade Fiscal diz que a gente pode contratar até duas vezes a dívida. Algum picareta do Tesouro Nacional só deixa passar uma vez a capacidade de endividamento. Aí há um imenso estoque do FGTS para o saneamento básico, dez milhões de moradias no Brasil, sem água, sem água encanada, um milhão de casas de famílias aí sofrendo o pão que o diabo amassou, a gente lava a mão, o cara não tem uma torneira em casa e o dinheiro sendo especulado.
Então , se a gente tiver uma hegemonia moral e intelectual sob o ponto de vista de que o país, agora, não vai deixar que o desenvolvimento seja um acidente possível. Nós vamos inverter. Agora haverá uma meta de crescimento. Por quê? qual é a minha proposta? O Brasil devia se impor a tarefa de virar uma Espanha de hoje, não é? Sob o ponto de vista de indicadores sociais, econômicos, em trinta anos. Concretamente, a renda per capita da Espanha é três vezes a brasileira. Como é que a gente faz pra chegar? O que quer dizer isso hoje? 5% de crescimento ao ano. Aí vamos administrar os riscos, as oportunidades, as interdições, vai faltar energia, vai faltar engenheiro, porque o país faz dez anos que tá parado. Mas planejar significa estabelecer uma meta, um objetivo, orçamentar e dividir tarefas.
Desconfio muito da construção de passivo externo líquido, seja por quem for, com investimento estrangeiro no Brasil, especialmente em infraestrutura. Me incomoda isso. Eu já disse, conversando lá com os meus amigos da China, olha, interessa muito pra nós reforçar o banco do BRICS, sabe? Estabelecer uma ferramentaria no banco do BRICS em que as ferramentas de financiamento, para nós, sejam multilaterais e não de um país só. E era muito melhor um dinheiro que tenha personalidade compatível com os prazos de maturação do investimento em infraestrutura do que o investimento direto estrangeiro em coisas sensíveis tipo energia hidráulica. Isso me incomoda, mas não me incomoda só com os chineses. Porque passivo externo líquido, sabe, vem pra ser remunerado. E a conta corrente brasileira não aguenta 300, 400 bilhões de dólares em infraestrutura, não tem como se remunerar porque isso é basicamente no non-tradable. E isso me preocupa. O que não quer dizer que, seletivamente, o investimento direto não seja bem-vindo, claro que é muito bem-vindo. Mas eu prefiro outras ferramentas de financiamento. Outras ferramentas que sejam rebeldes a Bretton Woods.