Ciro Gomes disse essa semana que certas estatais não podem ser privatizadas e que jamais assinaria uma carta que subordinasse os interesses do povo aos do setor financeiro
Não é de hoje que Ciro Gomes dá declarações que incomodam a entidade que alguns meios de comunicação insistem em chamar “mercado¹”. Recentemente, Ciro afirmou enfaticamente que “jamais assinaria” uma peça como a Carta aos Brasileiros, assinada por Lula em 2002 para apaziguar os ânimos dos especuladores.
A carta se propunha a não mexer em certos vespeiros defendidos pela plutocracia nacional, em especial relacionados ao sistema financeiro. À época, o comprometimento do ex-presidente foi acompanhado da indicação do ex-tucano Henrique Meirelles (que hoje é atual ministro da fazenda) à presidência do BC para manter uma cartilha “menos hostil” aos interesses plutocratas.
Nesse sentido, Ciro pode ter incomodado alguns poderosos: reiterou que não se subordina aos interesses do mercado¹ e disse que esses interesses devem estar subordinados aos dos trabalhadores. Ou seja, não se deve perseguir inflação e câmbio que não satisfaçam o pré-requisito de gerar uma situação de pleno emprego no país e que, por consequência, favoreçam a exportação e produção da indústria nacional.
Nelson Marconi, conselheiro econômico do pedetista, já disse que “Estado e mercado² são complementares”, assim como Ciro tem afirmado que “é preciso respeitar a eficiência do mercado²”. O que falta a alguns meios de comunicação é especificar a qual dos “mercados” o ex-governador volta e meia desagrada com suas declarações.
O que ele de fato defende é o mercado² que aloca recursos, gera produção, renda e emprego, e não o que gera dinheiro sobre dinheiro e que se encontra em situação oligopolizada devido à atuação dos bancos privados (e da gravitação em torno de si que impõem aos bancos públicos) em nome das melhores taxas de câmbio e inflação para a manutenção de seus lucros exorbitantes (e para a especulação no geral).
Feitas essas importantes ressalvas sobre sua indisposição em se subordinar às exigências da elite nacional rentista, Ciro ainda afirma que a Embraer deveria ser tomada de volta pelo governo brasileiro o que a Eletrobrás não pode ser privatizada.
O cearense justificou sua aversão à privatização dessas estatais afirmando que, por questões estratégicas e de soberania nacional, certos setores não podem ser privatizados, especialmente quando têm relação direta com recursos naturais escassos e com o bem estar da população.
Se tivéssemos uma crise de energia, por exemplo, precisaríamos negociar uma solução com os estrangeiros detentores da propriedade da Eletrobrás, deixando a estabilidade do país e de nosso povo à margem de interesses externos? Vale lembrar que não é incomum que estatais estrangeiras adquiram estatais brasileiras.
O ex-prefeito afirmou também que, apesar das posturas que defende, “não daria sustos” (no mercado¹) se fosse incumbido da tarefa de governar o Brasil. Talvez porque não seja possível se assustar com algo prenunciado. Se ao mercado¹ esses posicionamentos soam como algo ruim, ao mercado² têm grande possibilidade de gerar emprego e renda nacionais.
Assim, Ciro Gomes não deixa dúvidas de que não contemporizará com o sistema financeiro oligopolizado que manda e desmanda no país, bem como se demonstrou – tal qual já fez em 1998 e 2002 – disposto a preterir a especulação aos interesses de quem trabalha e quem produz. Susto, não vai ter. Todos sabem a que interesses deve satisfazer um progressista, especialmente quando ele anuncia de antemão.
*mercado¹ – mercado financeiro, dependente do capital especulativo
mercado² – mercados dependentes de nós, consumidores, empreendedores, produtores, trabalhadores e comerciantes para existir