Vamos e convenhamos, não é nada trivial furar a bolha do debate político. Ainda mais no Brasil de hoje em dia. Os ambientes parecem estar cada vez mais hostis e provocadores com qualquer tipo de diferença. Os riscos são tão grandes que não é qualquer um que aceita se expor aos diferentes. Parece ser mais confortável se restringir aos grupos fechados, enquanto o abismo social só se aprofunda no Brasil. Mas não é isso que precisamos. O nosso povo precisa olhar para sua história e para seus principais problemas com as lentes da verdade, e com o espírito de comunhão que sempre se fez presente em nossa nação.
Foi assim que Ciro Gomes subiu ao palco do Fórum da Liberdade no Encontro de Presidenciáveis de 2018. Foi a segunda participação de Ciro Gomes no Fórum, um evento conhecido pelo seu viés liberal-conservador. E, pela segunda vez, Ciro levantou fortes aplausos da plateia.
Reconhecendo suas diferenças para com a audiência média do Fórum, Ciro agradeceu o convite, cumprimentou o empresariado nacional e gaúcho e já iniciou brincando com os outros presidenciáveis presentes, dizendo que com o carinho que tem por cada um, “não será fácil vencê-los nas eleições de 2018“, já arrancando da plateia os primeiros risos da noite.
Ciro seguiu sua fala propondo que todos nós paremos para pensar, ao invés de nos reunirmos para ouvir apenas o que nos agrada. Segundo ele, se continuarmos a participar de eventos para ouvimos aquilo que queremos ouvir, “isso não será suficiente para desvendarmos o grave momento social, econômico, político e institucional que nossa pátria está vivendo“, sendo fortemente aplaudido já no primeiro minuto de sua intervenção.
Segundo o presidenciável, “ou o Brasil se reúne com olhares distintos, pensares diferentes, ângulos ideológicos distintos, em um amplo, generoso e fraterno debate, ou eu [Ciro Gomes] temo muito para a sorte da nossa nação para os próximos tempos“.
Ao sustentar sua fala com alguns números, Ciro Gomes afirmou que, para os trabalhistas, a iniciativa privada já mostrou seu valor indispensável para a promoção do progresso humano. Afirmou, no entanto, sua convicção de que, sozinha, a iniciativa privada não tem a capacidade de promover o desenvolvimento.
Segundo Ciro, as coisas estão erradas e é ilusão achar que podemos encontrar culpa em Chico, Maria, ou Pedro. “Nos últimos 12 meses assistimos a mais de 64 mil homicídios, quase todos jovens, negros e pobres das periferias e apenas 8% destes são investigados, provando inclusive a importância do Estado de direito democrático“. Para dar exemplos práticos, Ciro afirmou que em pouco mais de 20 anos o Rio Grande do Sul perdeu praticamente metade do seu efetivo policial.
O ex-governador destacou também que o mês de janeiro de 2018 no Brasil mostrou que, pela primeira vez, a população economicamente ativa na informalidade é maior que a população na formalidade. E perguntou: “Qual o sistema previdenciário com a lógica de repartição vai funcionar assim? Qual o sistema tributário que vai funcionar assim? Como vamos ganhar produtividade assim?” Segundo salientou, chega a 60 milhões o número de brasileiros que estão com nome sujo, e se consideram culpados por isso. “Mas não são [culpados], isso é culpa do nosso quadro estrutural equivocado, principalmente na gestão equivocada da política monetária“.
O Brasil está errado, afirmou Ciro. “Em 1980 tínhamos um produto industrial equivalente a 30% do PIB. Hoje a indústria de transformação no Brasil está reduzida a 11% do PIB. E a China ultrapassou por 6,5 vezes a produção industrial brasileira“. De acordo com o ex-ministro, olhar para o exemplo de 1980 pode nos fazer deixar de lado o falso debate que quer nos dividir entre coxinhas e mortadelas. “Como se nosso maravilhoso e complexo país coubesse nessa miudeza“, afirmou Ciro.
O baixo nível de produção bruta de capital no Brasil também foi apontado por Ciro Gomes como um dos fatores responsáveis pelas cíclicas crises e pelo baixo crescimento do Brasil. Além disso, afirmou que temos que ser prudentes e cautelosos, já que a virtude está sempre no caminho do meio, dando os exemplos do fim da União Soviética e da crise de Wall Street em 2008 para mais uma questão.
Ciro questionou: “Qual foi a nação do mundo que ascendeu a plataformas civilizatórias de êxito sem uma convergência mista entre um estado empoderado e um empresariado convergente com a estratégia hegemonizada?“. Depois de apresentar a China como exemplo de sucesso ascensão industrial no mundo, Ciro afirmou que não quer transplantar a institucionalidade chinesa, quer apenas mostrar o paradigma da economia política que dá certo. “Qual a ferramentaria utilizada para tirar os EUA da crise de 2008, exemplificando o caso da estatização do setor de seguros nos EUA?“, perguntou.
Finalmente, o ex-governador do Ceará criticou o baixo investimento em educação no Brasil, dando o exemplo do baixo nível nas matrículas de jovens de 18 a 25 anos no Brasil. Ironizou a PEC do Teto de Gastos no Brasil afirmando que 51,7% do orçamento executado em 2017 foram de juros rolagem da dívida e afirmou: aqui está para onde está indo mais da metade do estado brasileiro. Ciro afirmou que não tem medo de reforma, pelo contrário. Disse que está desenhando audaciosamente um conjunto prático de reformas. Mas, na presença do ex-ministro da fazenda do governo Temer (que também estava presente na plateia), enfatizou que “a reforma que se chamou de previdência não é uma reforma, é um puxadinho“.
Ciro concluiu dizendo que precisamos enfrentar três tarefas: o endividamento das famílias e das empresas, a questão fiscal nacional, e o desenvolvimento de um complexo industrial. Mesmo sendo interrompido pelas campainhas, Ciro Gomes foi ovacionado e aplaudido pela platéia depois de seus 15 minutos de fala. E afirmou que “se o Brasil celebrar um grande diálogo, vira esse jogo“.
Partindo para as perguntas, Ciro foi primeiramente questionado sobre os escandâlos de corrupção no Brasil, e sobre a uma forma de buscar culpados ou fazer um combate direto, já que Ciro havia afirmado que a culpa não seria de Chico, Maria ou Pedro. Ciro afirmou que, primeiramente, para “culpa” no sentido doloso ou penal temos que ter fatos aclarados, demonstrados e amplas defesas asseguradas. E, nesses casos específicos e provados, os culpados devem pagar. Ciro afirmou, por exemplo, que o vídeo apresentado pelos organizadores do Fórum foi uma certa fraude a História.
Para argumentar sobre isso, trouxe exemplos práticos de sua experiência política fazendo comparações e citando semelhanças entre os dados do fim do governo FHC e da queda do governo Dilma, pois as desvalorizações do real e as políticas de taxas de juros do Banco Central nesses mesmos períodos se assemelham. Ciro afirmou que, ou compreendemos que a desvalorização do câmbio está diretamente relacionada às necessidades de consumo da população, ou teremos uma população indignada com os governos que vierem pela frente.
O último tema da participação foi sobre as privatizações. Ciro afirmou que privatização é uma ferramenta e um projeto nacional vai definir com clareza isso tudo, com limites e funções específicas. Ele disse, por exemplo, que seus complexos industriais superariam o déficit comercial do Brasil e isso nos traria mais estabilidade no câmbio. Afirmou, no entanto, que o Complexo do Petróleo e Gás deve ser estatal. Para exemplificar, citou que o Campo de Carcará, do Pré-Sal, que depois de receber volumosos recursos de pesquisa da Petrobrás, foi comprado pela Stat Oil, estatal da Noruega. Ainda afirmou que o barril de petróleo foi vendido para a Stat Oil por um valor “menor que o preço de uma lata de Coca Cola“.
“Brasil, abra o olho!“, disse ele. Ciro Gomes encerrou sua participação criticando a proibição das expansões de gastos em educação no Brasil, dados os baixos níveis de matrículas observados atualmente no país.