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Ciro Gomes e nossa dificuldade em romper a polarização

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A gente não pode aceitar essa ideia estúpida de reduzir o Brasil lindo, complexo, maravilhoso e difícil que nós temos ao enfrentamento miúdo, hostil, odiento entre coxinhas e mortadelas“. É com essa opinião sobre a polarização extremada no debate brasileiro que Ciro Gomes frequentemente inicia suas falas públicas mas, apesar de suas tentativas, as mesmas “simplificações grosseiras” ainda são usadas como comentários prontos feitos às ponderações de Ciro.
Conforme cresce a corrente de opinião proposta por Ciro Gomes para um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento no Brasil, aumentam as manchetes de jornais e as postagens de analistas nas redes sociais afirmando que Ciro “afaga golpistas”, “elogia líderes porque sempre esteve à sombra dos governos deles”, “é a favor ou contra todo o judiciário porque criticou (ou não criticou) um juiz”. Os mecanismos por trás desse tipo de escrita já são bem conhecidos pela população: de várias horas de debate acerca das questões nacionais, focaliza-se a notícia apenas em trinta segundos de fala em que Ciro comentou sobre adversários e interlocutores políticos seus e, na maioria das vezes, apenas respondendo a algum questionamento.
Situações diversas têm mostrado que a insistência nesse “enfrentamento odiento”, como menciona Ciro, tem sido nociva: aumento do barulho raivoso de grupos proto-fascistas nas redes sociais, ameaça de rearticulações neoliberais (conservadores ou progressistas nos costumes), previsões de que as eleições se resumam a um segundo turno entre extrema direita e uma esquerda “radicalizável”. Na medida em que até o momento se insiste nessa chave de interpretação do Brasil, um dos efeitos será (por ingenuidade ou como estratégia política) sufocar importantes debates a serem feitos no país em um ano eleitoral crucial como este.
A habilidade dos que sabem participar do jogo político sem se enquadrar rapidamente em todos os pontos dessa oposição simplificada tem sido vista hoje em dia como motivo para a desconfiança. Esquecem-se de que grupos, partidos e mesmo as condutas das lideranças políticas não são blocos homogêneos nem são lineares: há contradições, guerras e debates no interior de cada campo social. A democracia e a estrutura constitucional do Estado exigem algum diálogo com adversários em nome das soluções ao país, assim como exigem alguma crítica aos parceiros (e não sua glorificação permanente), ao menos por parte daqueles que construíram princípios e pensamento próprio e tentam não ceder ao dogmatismo na política.
E a população sabe que romper a polarização existente no Brasil, no entanto, é tarefa para além das palavras, ao contrário daqueles que, à direita, convocam apenas os (des)limites do discurso da “nova política” para solucionar o problema. É preciso demonstrar ter trajetória, uma visão e um projeto de país, disposição e força política para confrontar as hegemonias que não respondem aos problemas do povo – algo que falta à “nova política” neoliberal que reúne somente princípios e conselhos de “boas práticas” retiradas dos manuais de gestão.
No jornalismo, em suas versões hegemônicas à direita e à esquerda, a visão polarizada da política geralmente é responsável ao menos pelo primeiro degrau da produção das fake-news. Para manter os exemplos sobre Ciro Gomes, sempre que critica alguma liderança política, as notícias dão conta de que “Ciro se aproxima de adversários políticos A” ou então “queima pontes com B”. Constroem implicações falsas, pois enxergam que qualquer ação não imediatamente positiva com “A” automaticamente junta Ciro a “B”. Como resultado disso, fazem inflar na população falsas polêmicas e deixam em parafusos uma militância que não compreende como deve ser difícil aos jornalistas, mesmo aos mais bem-intencionados, perseguir os furos jornalísticos verdadeiros num país como o nosso.

Com isso, ficam ausentes dos canais de todos os grandes divulgadores propostas sobre ciência e tecnologia, saúde pública, industrialização voltada para o desenvolvimento, previdência social, segurança e educação – alguns dos temas tratados por Ciro nos eventos em que está presente.  Ora, mas não é justamente “um debate sobre propostas” o desejo de dez em cada dez especialistas para o Brasil neste ano?
Para ter acesso aos conteúdos integrais das lideranças políticas que acompanhamos, felizmente hoje em dia podemos procurar registros de eventos e vídeos postados em plataformas da internet. Esse tipo de ação, ir direto às fontes, pesquisar rapidamente e fazer uma espécie de curadoria das informações por si próprio, mostra-se essencial para o debate público no Brasil em 2018 e certamente amenizaria o conflito odiento presente na rotina dos que se esforçam para acompanhar as questões de nosso país.