Diante do cenário econômico e político atual, é importante acompanhar quais são as propostas dos candidatos à presidência do país. Com o intuito de conferir maior transparência, a Folha de São Paulo convidou economistas responsáveis pela elaboração do programa de governo dos pré-candidatos para escreverem artigos apresentando quais devem ser as suas propostas. Os economistas que aceitaram o convite foram Nelson Marconi (Ciro Gomes), Henrique Meirelles (João Dória), Guido Mantega (Lula) e Afonso Pastore (Sérgio Moro), cujos textos foram publicados nessa ordem. Abaixo, tomando por base os artigos escritos por esses autores, buscou-se sintetizar e comparar suas proposições por tema abordado.
Política fiscal
Para Marconi, o equilíbrio fiscal passa por diminuição de subsídios e isenções, alterações na definição do orçamento, criação de tributos sobre lucros e dividendos e patrimônio (grandes fortunas), aumento de alíquota sobre heranças, e melhora qualitativa das despesas do governo. Além disso, diante da entrevista dada posteriormente por Mauro Benevides Filho, outro economista que compõe a equipe responsável pelo programa de governo de Ciro Gomes, a proposta para o Teto dos Gastos Públicos seria de que as despesas correntes (pessoal, material, serviços, outros) sejam corrigidas pelo crescimento real do PIB mais inflação, ao invés de apenas pelo IPCA, como é hoje. Já o investimento (despesas de capital) seria corrigido pelo crescimento real da receita, acrescido da inflação.
Já Meirelles não aprofunda muito qual seria a política fiscal a ser praticada num possível governo Doria. No entanto, o candidato posteriormente lançou um documento com suas propostas, consolidado por Meirelles e outras três economistas, em que defende a manutenção do Teto dos Gastos Públicos. Para dar-lhe sustentação, propõe algumas medidas, como revisão das emendas parlamentares e de “políticas sociais ineficientes”, realizar uma reforma administrativa, dentre outras.
Por sua vez, Mantega fala em realizar uma reforma tributária para simplificação de impostos, redução de taxação sobre os mais pobres e elevação que simplifique os impostos federais, estaduais e municipais. É importante também diminuir a taxação dos mais pobres, aumentando os tributos sobre a renda e patrimônio dos 1% mais ricos. Em seu artigo, não menciona sobre o Teto dos Gastos Públicos, mas outro economista ex-ministro do PT, Nelson Barbosa, concedeu entrevista explicando que está em discussão no partido a proposição de uma regra atrelada ao PIB.
Finalmente, Pastore não explicita nesse seu texto que manterá o teto de gastos, mas é possível inferir que sim, quando fala em “controle dos gastos”. Em entrevista posterior, Pastore declarou que o atual teto dos gastos públicos está “morto” e que precisa ser substituído por outro “arcabouço fiscal que controle os gastos”, mas sem demonstrar qual. Menciona também a realização de reformas que reduzam “desperdícios e privilégios”, alocando esses “recursos a setores e atividades com maior retorno social”. Cita ainda a criação de um imposto (IVA) que unifique os atualmente incidentes sobre bens e serviços, cobrado no destino.
Fomento aos investimentos
Marconi menciona que países como Alemanha e EUA vem lançando planos para recuperação de suas indústrias, com investimento em infraestrutura e P&D, o que também se pretende através do Projeto Nacional de Desenvolvimento (PND), elaborado por Ciro Gomes e apresentado sob a forma do livro “Projeto Nacional: O Dever da Esperança”, de 2020. Nesse projeto, propõe-se “desenvolvimento científico e tecnológico”, políticas industriais e investimento em educação, dentre outras propostas.
Já Meirelles sugere uma política mais focada na “promoção de um ambiente de negócios que facilite a produção”, ficando o Estado numa posição mais passiva atuando em sustentar mais segurança jurídica e outras condições para estimular o setor privado a expandir o investimento.
Um “Programa de Desenvolvimento Econômico e Social” é proposto por Mantega, guardando certa semelhança com o PND de Ciro Gomes. O petista crê que o governo deve lançar “um ambicioso plano de investimentos públicos e privados”, com vistas a aumentar a infraestrutura e incrementar a produtividade. Fala ainda em estimular a competitividade da indústria brasileira através de políticas setoriais e de investimento em tecnologia.
Pastore também aposta na elevação de investimentos em infraestrutura, no entanto, crê que a maior parte deve ser realizada pelo setor privado, por meio de concessões, que por sua vez requerem “aperfeiçoamentos regulatórios” para conferir maior segurança jurídica.
Política social
Marconi avalia que através do PND de Ciro, seja possível a recuperação de indicadores sociais, através de mais qualidade nos empregos, melhora da educação e “políticas específicas para os mais desfavorecidos”. Por sua vez, nesse tema, Meirelles expõe que o objetivo será a queda da desigualdade social, com melhor direcionamento de recursos e atuação do Estado. Também menciona a realização de “investimento na formação de capital humano”.
Em seu artigo, Mantega não dá muitos detalhes de como seria a política social de um governo petista, limita-se a dizer que, nessa área, o governo deve oferecer “medidas emergenciais de combate à fome e à miséria, que propiciem condições de sobrevivência da população mais pobre”.
Por outro lado, Pastore desenvolve um pouco mais, ressaltando dar continuidade a importantes políticas públicas, “como na assistência à primeira infância, na educação, na orientação objetiva da saúde, e nas transferências de renda que deem a todos o mesmo ponto de partida”.
Política ambiental
Nessa pauta, Marconi argumenta que a preocupação com o meio ambiente pode ser também “uma oportunidade de investimentos”, como por exemplo a instituição de novas fontes de energia, uso mais sustentável do petróleo, modificações na produção de carnes e outros alimentos, diminuição do uso de carbono na infraestrutura e aumento da tecnologia na área da saúde. Esses investimentos estimulariam a inovação em microeletrônica, softwares e inteligência artificial, ao mesmo tempo em que incentivariam a demanda por vários serviços.
Com relação a esse tema, Meirelles crê que o Brasil necessita de regramentos que estimulem o setor privado a buscar “uma economia carbono zero”. O economista menciona diferenciais do país “tanto [na] geração de energia quanto no consumo nas áreas industrial e de transporte, com os combustíveis verdes ganhando espaço”. Destaca também a necessidade de conservação da Amazônia, por meio do que chamou de “regulamentações claras”.
Já Mantega não discorre significativamente sobre a pauta ambiental em seu artigo, limitando-se apenas a declarar que as políticas industriais e de tecnologia devem incentivar a competitividade sem “esquecer as questões climáticas e ambientais”.
Finalmente, Pastore ressalta o papel do Brasil na preservação ambiental, e que deve retomá-lo “com a meta de um desmatamento zero, aliada a políticas de desenvolvimento sustentável para a população da região amazônica”, assumindo uma posição de “protagonismo” e “liderança” em nível mundial.
Qual é a melhor proposta?
Baseado nos textos dos economistas representantes dos candidatos selecionados pela Folha de São Paulo, teremos em tese basicamente dois tipos de programas: progressistas/desenvolvimentistas (Ciro Gomes e Lula), em que o Estado cumpre um papel estratégico na condução das políticas necessárias, visando estimular e estabelecer parcerias com o setor privado, e liberais/fiscalistas (João Dória e Sérgio Moro), nos quais a iniciativa privada cumpre maior protagonismo, enquanto o Estado se restringe a buscar um equilíbrio macroeconômico mais favorável ao ambiente de negócios.
Visto que os principais problemas brasileiros residem em mais de 13 milhões de brasileiros sem emprego e renda e mais de 50 milhões na linha da pobreza, uma acirrada desigualdade social e uma inflação excessivamente alta mesmo para quem possui renda própria, urge a implantação no Brasil de um programa nacional desenvolvimentista que rompa com o atual modelo econômico, capaz de elevar investimentos públicos e privados para geração de emprego e renda, estimulando a produção industrial e o avanço tecnológico, respeitando o meio ambiente. Também é preciso revisar as últimas reformas liberalizantes e propor outras mais adequadas às necessidades da população e do país. Finalmente, é imprescindível oferecer uma renda básica suficiente para tirar a população da miséria, sendo financiada pelo pagamento de tributos que incidam sobre as classes mais ricas.
Em virtude das suas últimas declarações, dificilmente um governo Lula teria esse nível de comprometimento. Para se eleger em 2002, escreveu a famosa Carta aos Brasileiros, visando acalmar os ânimos do mercado financeiro, comprometendo-se em manter o tripé macroeconômico e as reformas realizadas no governo FHC. Enquanto esteve no poder, cumpriu exatamente com o que prometeu ao mercado. Agora, Lula fala em não taxar grandes fortunas e titubeia sobre a reforma trabalhista. Num primeiro momento, declarou que as mudanças na reforma feita na Espanha eram um modelo a ser seguido pelo Brasil, e após, manifestou que pretende manter alguns itens da reforma promovida no governo Temer. Ademais, até o momento, não apresentou nenhuma proposta que possa ser considerada inovadora.
Pegando emprestado um termo dito por Mangabeira Unger na live “Ciro Games” de 11/01/2022, é preciso um candidato que tenha mais “rebeldia” e vigor para se insurgir contra o baronato rentista e a plutocracia que cooptou o Estado brasileiro. E Ciro Gomes é o único que demonstra ter essa energia, ao mesmo tempo com um projeto estrategicamente muito bem formulado. É o único que propõe que as reformas propostas pelo seu PND sejam votadas através de plebiscito. Nenhum candidato é mais democrático do que Ciro nesse ponto. Seu PND é o mais audacioso e que mais dialoga com as principais necessidades do povo brasileiro, que terá nessas eleições com Ciro a melhor oportunidade para mudar o rumo do país em direção ao desenvolvimento socioeconômico e ambientalmente sustentável.