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A questão ambiental, desenvolvimento agrário e a NASA: a agricultura brasileira vista do espaço

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As atividades econômicas rurais no Brasil são muito estigmatizadas. Nossa história econômica, marcada pelo sentido da colonização, foi construída como empresa exportadora de matérias-primas baseada no trabalho escravo. Como colônia de Portugal e depois como periferia da Inglaterra e dos EUA, nossa classe dominante se forjou no campo, como dona de escravos, e depois como latifundiários coronelistas. A violência e a miséria são traços constitutivos dessa economia agrário-exportadora.
Portanto, não é à toa, que a luta pela reforma agrária é tão cara aos trabalhadores brasileiros, culminando em diversos movimentos sociais importantíssimos, notadamente o MST, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, e a CONTAG, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura. Essa luta é marcada pela violência da classe dominante, que desde sempre, mesmo nos períodos democráticos, assassina líderes como Chico Mendes.

Além disso, existe a questão ambiental. Por ser o país cujo território possui a maior parte da floresta amazônica, a maior biodiversidade, e em seu subsolo repousa a maior reserva de água do mundo, o Brasil é alvo de muito interesse internacional. Organizações Não-Governamentais (ONGs) atuam intensamente na denúncia de problemas ambientais no Brasil. Na década de 1990, o governo americano falava em tratar a Amazônia como território de gestão internacional para protegê-la.
Dessa forma, o avanço da agropecuária sobre regiões sensíveis, como a Amazônia, é combatido interna e externamente como social e ambientalmente nocivo. As políticas e créditos públicos voltados aos setores de produção para exportação, e até de alimentos para consumo interno, são tratados como benefícios indevidos para um segmento destruidor do meio ambiente. Existem fortes pressões para criação de leis que joguem na ilegalidade milhares de agricultores e pecuaristas, grandes ou pequenos, e para restrição do dinheiro público voltado ao desenvolvimento desses setores.
Diante desse cenário, é preciso tentar enxergar nuances, especificidades e contradições no meio rural brasileiro. Evidentemente persiste ainda o conflito pela terra no Brasil, a violência atinge as populações mais pobres, terras indígenas são objeto de disputa, e também existe depredação do meio ambiente. No entanto, o discurso hegemônico imposto sobre a agropecuária brasileira é muito unilateral e por vezes falso.
Em estudo de novembro de 2017, a NASA, a agência espacial norte-americana, aponta que o Brasil cultiva 7,6% de suas terras. A EMBRAPA já calculava um percentual pouco maior; de 7,8%; em 2016. A grande questão é quando se compara esses números com o resto do mundo.
Em média o mundo utiliza de 20 a 30% do seu território pra agricultura. EUA 18%. União Europeia mais de 45%. Alemanha chega a 56%. O Brasil usa menos que 8%… Como é possível sermos uma das agriculturas mais poderosas do mundo, utilizando muito menos terras que os outros países?
Antes de tudo é preciso olhar historicamente o papel do capital agrário no desenvolvimento brasileiro. É verdade que a escravidão e as oligarquias exportadoras são a base original do Estado brasileiro, imperial ou republicano. Mas é verdade também, que foram oligarquias dissidentes, aliadas ao tenentismo, que fizeram a Revolução de 1930 e a industrialização brasileira. Não só Getúlio Vargas era um proprietário de terras, como o capital acumulado no campo foi essencial para o impulsionamento da substituição de importações. As contradições nas oligarquias se expressam muito bem em São Paulo, estado que perdeu o poder e combateu Getúlio até à morte, mas cujo capital cafeeiro foi crucial na construção de infraestruturas e instalação de fábricas.
Além disso, é preciso olhar para o papel da agricultura familiar na economia brasileira, que fornece a maior parte dos alimentos consumidos no Brasil. Apesar de polêmicas estatísticas em torno de qual o real percentual dessa participação, o fato é que a agricultura familiar cumpre papel fundamental na segurança alimentar dos brasileiros e inclusive na taxa de inflação por ocupar papel central na cesta de produtos básicos consumidos pela população, e é o setor que mais emprega no campo.
Dessa forma, a contradição entre agronegócio e agricultura familiar deve encontrar uma solução dentro dos interesses nacionais. É preciso aprofundar a reforma agrária e a defesa dos pequenos produtores, mas também não se pode destruir a produção do agronegócio de exportação que gera as divisas internacionais que produzem o superávit comercial das contas do Brasil com o estrangeiro, fato econômico que financia as importações, o consumo e até o investimento público no Brasil. Sem dúvida é preciso mediar melhor os conflitos, combater à violência do poder econômico do latifúndio, mas dentro de uma estratégia de um Projeto Nacional que inclua a exportação agrícola de larga escala, e não numa luta fratricida gerenciada por interesses internacionais.
O fato é que o Brasil tornou-se uma potência agrária, competindo com EUA e Europa, inclusive na produção de tecnologias rurais, se bem que o setor também foi atingido pela desindustrialização dos últimos 30 anos de neoliberalismo, e o Brasil passou a importar muitos insumos e máquinas agrícolas que antes produzia. O símbolo disso é a estatal vinculada ao Ministério da Agricultura, a EMBRAPA, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, criada nos anos 1970, responsável pelo desenvolvimento de tecnologias, métodos, técnicas e informações sobre a agropecuária brasileira, mas que hoje também enfrenta problemas de investimento e estratégia.
A EMBRAPA, e também o Plano Safra que financia tanto o agronegócio como a agricultura familiar, ainda que de forma desigual, são frutos da atuação estratégica do Estado brasileiro num setor de alta competitividade e vantagem brasileira no cenário internacional, além de crucial para alimentação de sua própria população.
Dessa forma, o discurso ambientalista contra a agricultura brasileira é muito mais funcional a interesses estrangeiros do que nacionais. Evidentemente é preciso de fiscalização e proteção ao meio ambiente, mas essa luta não se dá no campo dos nobres interesses da preservação ambiental, e sim no campo da geopolítica marcada pelo sistema centro-periferia. Em tal disputa, o centro financia entidades privadas para denunciar problemas ambientais na periferia sem olhar para a devastação de seus próprios territórios, e utiliza seu poder político nas organizações multilaterais como a OMC, Organização Mundial do Comércio, para combater as políticas de desenvolvimento agrário dos países subdesenvolvidos, num espetáculo a céu aberto de hipocrisia diante dos subsídios públicos às suas produções agrícolas.
Mas assim como Iuri Gagarin viu que a Terra era azul do espaço sideral, os americanos com seu poder financeiro e tecnológico inigualável, cujo símbolo máximo foi a viagem à Lua, também viram quem devasta mais seus territórios e suas vegetações nativas, e não eram os seus rivais subdesenvolvidos no mercado agropecuário internacional, estigmatizados de destruidores do meio ambiente.
 
Fontes:
Embrapa
MDA
Carta Capital
Cata Capital