MANIFESTAÇÕES FORA BOLSONARO DE 02 DE OUTUBRO
No último sábado (02/10), diversas entidades, centrais sindicais e movimentos sociais organizaram manifestações contra Bolsonaro e seu desgoverno desastroso. Participaram das manifestações 20 partidos políticos (PDT, PSB, Rede, PV, PSD, Cidadania, PC do B, PSOL, DEM, MDB, PL, PSDB, PSL, Podemos, Solidariedade, PT, PSTU, PCB, UP e PCO). Percebe-se a possibilidade de se formar uma frente pluripartidária com representações da esquerda à direita, contrárias a Bolsonaro.
As manifestações ocorreram concomitantemente em mais de 90 cidades, inclusive em todas as 27 capitais dos 26 estados da federação e do Distrito Federal. As pautas se resumiam a: i) pedido de impeachment de Bolsonaro; ii) proteção à democracia; iii) responsabilização do Governo Federal pela gestão incompetente e trágica ao combate à pandemia da COVID-19; iv) contenção da inflação, principalmente de alimentos, combustíveis e gás, bem como o agravamento do desemprego, miséria e fome.
AGRESSÕES VERBAIS E FÍSICAS A CIRO GOMES E AOS TRABALHISTAS
O que era para serem legítimas reivindicações dos manifestantes que se concentrassem em torno de Bolsonaro e seu desgoverno, desviou-se do principal foco dos eventos porque alguns militantes de esquerda tiveram atitudes deploráveis e nada republicanas. Após discursos de importantes quadros políticos na Avenida Paulista, na capital de São Paulo, quando Ciro Gomes se dirigiu à frente do palanque para expressar sua indignação e repúdio a Bolsonaro, certos militantes do PT e do PCO, e da Central Única dos Trabalhadores (CUT), confundiram qual o principal motivo de estarem todos ali juntos e unidos, e passaram a vaiar Ciro (um filiado ao PCO o chamou de “canalha”) e até agredir fisicamente alguns trabalhistas que assistiam pacificamente.
Como se não bastasse a postura inadequada e lamentável desses manifestantes, outros militantes ligados ao PT e ao PCO foram ao encontro de Ciro Gomes, quando este se deslocava para entrar no veículo que o transportaria, e tentaram agredi-lo fisicamente, jogando garrafas e pedaços de pau, quase acertando também quem o acompanhava, como sua esposa Giselle Bezerra, o presidente do PDT Nacional, Carlos Lupi, o vice-presidente do PDT/SP, Antônio Neto, e outros correligionários.
O DISCURSO DE CIRO GOMES
Ao ser anunciado na manifestação paulistana, fez logo questão de evocar um grito de Fora Bolsonaro. Explicou as razões para desejar o impeachment do presidente: uma genocida responsável por centenas de mortes na pandemia, corrupto (inclusive na compra e distribuição de vacinas para a COVID), envergonha a imagem do Brasil no estrangeiro e destrói a economia brasileira. Após, declarou que “o impeachment é a única forma que a nação brasileira tem de se proteger de um (auto)golpe de estado”. E a única maneira, segundo ele, de impedir Bolsonaro “é o povo na rua, reunindo todos os democratas do país”. Em seguida, comentou que está acostumado a lidar com o fascismo (o que pode ser entendido como uma indireta aos que o vaiavam).
Informou também a necessidade de ter 342 deputados para aprovar o pedido de impeachment de Bolsonaro, mas que na atualidade, só conta com o apoio de 120. Aqui um parênteses. Os 20 partidos representados na manifestação somam 387 deputados, ou seja, se houver uma maior articulação, quem sabe poderia se viabilizar a aprovação do processo de impeachment. Entretanto, os entraves maiores seriam as duas principais bancadas, o PSL (54 deputados), que ainda possui apoiadores de Bolsonaro, e o PT (53 deputados), que mesmo tendo assinado pedidos de impeachment, arriscaria enfraquecer o desempenho de Lula nas pesquisas com Bolsonaro.
Dada essa informação, Ciro ressaltou a importância de quem ser contra o golpe, precisa demonstrar generosidade para “abraçar” quem é democrata de todos os partidos e banir o fascismo, os corruptos e os genocidas. Logo depois, afirmou que a notícia que queremos ver a partir do dia seguinte nos jornais é que o povo brasileiro de “diversas agremiações” se uniu em defesa da democracia “contra meia dúzia de bandidos travestidos de esquerda”, que “se acham donos da verdade”. Encerrou avisando Bolsonaro que a hora dele há de chegar, “porque o povo brasileiro é muito maior que o fascismo de vermelho ou de verde e amarelo”.
AS DECLARAÇÕES DE CIRO APÓS A MANIFESTAÇÃO
Logo após a manifestação, em um vídeo seu no Twitter, Ciro declarou que: “Fui com o peito aberto e a coragem que Deus sempre me deu. E sabendo, de antemão, que poderia enfrentar a fúria e deselegância de alguns radicais. Os radicais, seja da esquerda, seja da direita, nunca me intimidaram e nunca me intimidarão, nunca me impedirão de ir à luta em favor da democracia, porque as ruas não tem dono e a democracia não tem senhores”.
Ao ser indagado em entrevista a jornalistas no dia seguinte, sobre as vaias e ameaças de agressão física que recebeu de militantes antidemocráticos de “esquerda”, Ciro procurou minimizar esses eventos isolados e reiterar que seu objetivo maior é a promoção de consensos em torno da defesa da democracia. Para isso, requer-se que as lideranças políticas democráticas se unam em prol do impeachment de Bolsonaro, o que chamou de “trégua de natal”. Conforme o jornal Valor Econômico, deu a seguinte declaração aos jornalistas em uma entrevista no domingo (03/10), primeiro dia após as manifestações: “Estamos propondo uma ampla trégua de Natal. Quando o assunto for o impeachment de Bolsonaro devemos esquecer tudo e convergir em torno desse raríssimo consenso que já não é fácil”
NÃO PODEMOS PERDER O FOCO
Na mesma entrevista, Ciro agradeceu à militância do PDT, mas ressaltou que devemos evitar distrairmos nossa atenção com “assuntos laterais”, quando nosso foco deve ser a viabilização do impeachment de Bolsonaro. Segundo ele, temos que encontrar uma maneira de conviver mesmo com nossas diferenças. Foi o que ele procurou fazer nas duas últimas manifestações com o MBL e agora com o PT.
O MOMENTO É DE DEIXAR AS DIFERENÇAS PARTIDÁRIAS DE LADO
Afirmou também saber que seria hostilizado na última manifestação, embora não descarte que possam ter sido de bolsonaristas infiltrados. Ciro declarou que ninguém o ligou para prestar solidariedade sobre o ocorrido. Adicionalmente, ressaltou que as diferenças com o PT tem se aprofundado cada vez mais, porém, o evento de sábado passado não era momento para trazê-las à tona.
MANIFESTAÇÕES DO PDT DE SOLIDARIEDADE A CIRO
O PDT publicou uma nota, afirmando sobre as agressões que “são atos covardes de quem não está interessado no país. Esses covardes não intimidarão quem quer que seja. Ciro e o PDT seguirão na luta contra Bolsonaro e a favor do Brasil”.
Já o movimento PDT Diversidade Brasil publicou no Twitter uma nota de solidariedade a Ciro e os demais trabalhistas agredidos nas manifestações, ressaltando a importância da democracia como um ambiente em que se exerce o valor da “convivência em meio às divergências, no diálogo e na crítica” e que as agressões de militantes do PT sofridas por trabalhistas em várias cidades do país “vão contra todos esses valores e contra a democracia”. O movimento também estendeu sua solidariedade à deputada Juliana Brizola e seu irmão Brizola Neto, que recentemente foram duramente hostilizados nas redes sociais.
OUTRAS MANIFESTAÇÕES DE SOLIDARIEDADE A CIRO
Guilherme Boulos (PSOL-SP) foi outro que se posicionou sobre o episódio, reiterando que “a presença de amplos setores políticos é fundamental para a luta pelo impeachment. Nesse sentido, a hostilização de lideranças que foram à Paulista, entre elas Ciro Gomes, é inaceitável”.
Já a ex-ministra e senadora Marina Silva (REDE-AC), igualmente se solidarizou com seu ex-colega e amigo Ciro Gomes no seu perfil no Twitter: “É antidemocrática a tática de agressões para tentar intimidar adversários. É um desserviço à democracia instrumentalizá-la para praticar da intolerância e do exclusivismo politico autoritário. Minha solidariedade ao @cirogomes pelas agressões sofridas em São Paulo”.
Por sua vez, o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ) criticou que: “Quanto ao episódio da agressão a Ciro, considero inaceitável e péssimo para o movimento. Não podemos antecipar possíveis futuras disputas eleitorais e permitir que isso nos divida, como também não faz nenhum sentido transformar divergências políticas em agressões físicas”.
O POSICIONAMENTO DA LÍDER DO PT SOBRE O OCORRIDO
Apesar de não ter feito menção às vítimas das agressões, como Ciro, sua esposa e outros trabalhistas, vale ressaltar que a líder do PT, Gleisi Hoffmann, ao menos lamentou o ocorrido. Completou ainda ressaltando que: “Apesar das divergências, a gente está seguindo por um movimento. É óbvio que tem essas questões colaterais. Mas eu acho que temos que mostrar o seguinte: tem uma unidade no comando das forças políticas, das forças sociais e do movimento sindical para que a gente tenha um foco. Nosso inimigo é Bolsonaro”.
OMISSÕES E RELATIVIZAÇÕES DAS AGRESSÕES
Por outro lado, houve quem tentasse relativizar as agressões sofridas por Ciro e outros trabalhistas. Tentando justificar o injustificável, as declarações foram no sentido de que Ciro, por sua postura de crítica ostensiva a Lula, teria dado motivos para ser hostilizado. Alguns simpatizantes lulopetistas – inclusive uma ex-assessora da saudosa vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) – acharam não só razoáveis as vaias, como também, pasmem, merecidas até mesmo as tentativas de agressões físicas que por pouco Ciro e quem o acompanhava poderiam ter se machucado gravemente.
INTERPRETAÇÃO DAS MOTIVAÇÕES DE AGRESSÃO A CIRO
Mas afinal, por que razões alguns militantes do PT, PCO e CUT tentaram agredir covardemente Ciro Gomes, e outros igualmente buscaram relativizar e justificar essas agressões nas redes sociais? Eis alguns possíveis motivos:
i) O 2º turno das eleições de 2018: desde que Ciro decidiu, naquela ocasião, por se ausentar da campanha de Haddad no segundo turno, provocou a insatisfação e ira de muitos lulopetistas. Mesmo ele tendo sido prejudicado pelo acordo que o PT fez para o PSB não apoiar Ciro e declarar neutralidade, em troca da retirada da candidatura de Marília Arraes (PT-PE) ao Governo de Pernambuco, e Haddad andar ao lado de Eunicio de Oliveira (MDB-CE), principal desafeto de Ciro e mesmo tendo votado a favor do impeachment da presidente Dilma em 2016, os lulopetistas creem que Ciro deveria ter apoiado Haddad incondicionalmente. Até apelam para narrativas superficiais como Ciro foi a Paris e isso teria comprometido a eleição de Haddad. Essa fake news já foi desmistificada em artigo anterior.
ii) A ingratidão de Ciro: Lulopetistas acreditam que Ciro deve gratidão a Lula, pela oportunidade que lhe foi dada no seu primeiro governo, como Ministro da Integração Nacional. Essa é outra fake news que também já foi refutada no mesmo artigo. Ciro construiu uma carreira sólida antes de ocupar o cargo de ministro no governo Lula, tendo sido prefeito de Fortaleza, Governador do Ceará, Ministro da Fazenda no Governo Itamar (ajudando a elaborar o Plano Real) e candidato à presidência em duas oportunidades (1998 e 2002).
iii) A postura crítica de Ciro a Lula: Mesmo Ciro tendo se posicionado contra o impeachment da presidente Dilma (aliás, ato que até hoje os lulopetistas não demonstram a mesma gratidão que exigem de Ciro), já apontava as contradições e erros cometidos pelo PT no governo federal. Procurou poupar Lula de críticas em virtude do episódio que culminou na prisão do líder petista, ato que Ciro também indicou sua contrariedade, haja vista que Moro teria cometido sérios erros no processo de julgamento (que o tempo se encarregou de mostrar que Ciro tinha mais uma vez razão). Porém, após a sua libertação, e se lançar pré-candidato, Lula continuou sem fazer uma autocrítica dos erros e omissões cometidos na política econômica, principalmente na gestão de Dilma, tampouco dos casos de corrupção nos governos petistas. E igualmente não assume sua responsabilidade pelo antipetismo que levou à eleição de Bolsonaro. As críticas de Ciro são procedentes, bem sustentadas e legítimas. Ademais, se tratam de adversários políticos para ocupar um mesmo cargo, então, é natural que não se poupem de críticas mútuas.
iv) A similaridade do lulopetismo com o bolsonarismo: infelizmente, muitas das características do bolsonarismo estão alicerçadas no lulopetismo. Apoio incondicional e postura acrítica dos seus seguidores tutelados (fazendo por merecer o apelido de “gado”), lideranças populistas incoerentes e simpáticas a políticos e regimes autoritários (Chavez e Trump), propagação de fake news, tentativa de cerceamento da mídia, negacionismo, vitimização das críticas a seus governos, perseguição a jornais (Ex.: Folha de São Paulo), financiamento de blogs e sites apoiadores do governo, corrupção, distribuição de cargos e verbas parlamentares a partidos de centro, etc.
v) A subversão de valores pelos lulopetistas: a defesa da democracia é, antes de qualquer coisa, também a defesa dos interesses do povo e da nação. Sob a ameaça de um autogolpe a ser cometido por um genocida autoritário, que diz não reconhecer um resultado que não seja a sua vitória, o foco deveria ser o seu impeachment, ou na pior das hipóteses, a sua derrocada eleitoral a ponto de abandonar a sua candidatura, ou ficar de fora do segundo turno. Porém, mesmo não reconhecendo, os lulopetistas parecem alimentar o desejo oculto que Bolsonaro permaneça até o fim de seu governo, pois a retirada do atual presidente dentre os pré-candidatos diminuiria o apelo a Lula e em detrimento viabilizaria nomes da terceira via, dentre eles, o do próprio Ciro Gomes. E que se Lula não vencer no primeiro turno, que ele preferencialmente enfrente Bolsonaro. Como Ciro mesmo já disse, querem levar o país para “dançar na beira do abismo”. Ou seja, os apoiadores de Lula (e muito provavelmente ele próprio) colocam a si próprios, seu partido, sua busca pela hegemonia da esquerda e seus interesses eleitoreiros acima dos interesses nacionais e do seu povo, como a proteção do sistema democrático.
AS CONSEQUÊNCIAS A LULA E AO PT
As reações aos atos de agressão a Ciro Gomes e aos trabalhistas têm circulado nas redes sociais. Militantes de Ciro intensificaram ainda mais a sua preferência a votar nele nas próximas eleições presidenciais. Já alguns eleitores de Lula vêm questionando se mantém seu voto no petista, ou se transferem para Ciro. Bolsonaristas arrependidos demonstram mais simpatia e percebem maior receptividade de acolhimento no grupo de apoiadores de Ciro e seu Projeto Nacional de Desenvolvimento (PND).
As agressões a Ciro foram garrafadas e pauladas no pé da candidatura de Lula. Na tentativa de transformarem Ciro em vilão, o colocaram na posição de vítima. Equivaleram-se à mesma postura dos bolsonaristas. E caso Lula vá ao segundo turno, certamente afastaram e dificultaram possíveis eleitores de outros candidatos (inclusive de Ciro Gomes) a virem a apoiá-lo. Alimentaram eles mesmos o sentimento de antipetismo, que hoje vai da direita até a própria esquerda.