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Por que é possível afirmar que o pagamento de dívidas leva metade do orçamento

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A dívida pública do Equador, que era de 100 milhões de dólares em 1976, chegou a 4 bilhões em 2007, mesmo tendo sido pagos 7 bilhões até aquela data. Isso quer dizer que a dívida equatoriana levava, então, 30% do orçamento do país mesmo, em tese, que houvesse sido paga “várias vezes”. Em 2007, logo após ser eleito presidente, Rafael Correa criou a Comissão Auditoria Integral do Crédito Público (CAIC) com a atribuição de determinar qual era a dívida real do país. O relatório, feito com farta prova documental, identificou irregularidades e ilegalidades nos títulos cobrados.
Rafael Correa apresentou à população o relatório, conseguindo imensa força política para pressionar os credores das dívidas irregulares a aceitarem receber de 25% a 35% no máximo. Acordo que foi aceito por 95%. Os efeitos se fizeram sentir rapidamente, os gastos sociais subiram 30%, o desemprego caiu de 10% (em 2006) para 4% (em 2015), com inflação média de 3,3%.
Todos esses avanços foram possíveis quando o Estado e o povo equatoriano tomaram de volta o orçamento e destino de suas riquezas. Além disso, foi posta na Constituição uma carta orçamentária, em 2008, que estabelece as prioridades com investimentos em setores sociais (saúde e educação, por exemplo) em 25% e que foi aprovada pela população.
No Brasil, a situação da parte do orçamento destinada ao pagamento de dívida e juros também é dramática. Todo ano, quase metade do orçamento público executado, ou seja, aquele que é pago pelo estado brasileiro é destinado ao pagamento da dívida, também, em parte, de procedência obscura e indeterminada, ao pagamento de juros e das amortizações da dívida. É importante que as amortizações sejam contabilizadas pois são gastos correntes do governo e servem como ‘maquiagem’ das contas públicas, pois a troca de títulos antigos por novos aparece como rolagem (pagamento).
Entretanto, os empréstimos são tomados para pagar juros, que geram novas dívidas, que geraram mais juros a serem pagos com novas dívidas. A situação é agravada pelos exorbitantes juros praticados no Brasil e estimulada pela hiper concentração bancária no país, e isso faz com que parte significativa dos orçamentos públicos federal, estadual e municipal seja comprometida.
Considerando essas variáveis, a iniciativa da Auditoria Cidadã reproduziu em um gráfico os dados oficiais do SIAFI (Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal) no exercício de 2016. A disparidade é grotesca. Podemos pegar como exemplo os 43,94% do orçamento brasileiro gastos com juros e amortizações em comparação com os 0,08% para industrialização ou os 3,90% usando para o custeio de toda a educação. Na tabela do orçamento executado, feito pela Câmara também com dados do SIAFI, é possível ver também que, dos 2 trilhões e 572 bi executados no orçamento, foram destinados à despesa “Encargos Especiais” o total de 1 trilhão e 459 bilhões em 2016. Enquanto todos os outros 27 itens do orçamento federal, incluindo a Previdência Social, totalizam a outra metade.*
Orçamento Auditoria Cidada 2016
“Mas o que é colocado para a população é que o problema são os investimentos sociais. Sendo que a cada ano mais recursos são colocados para o pagamento da dívida e não se tem nenhuma contrapartida”, alerta o economista da Auditoria Cidadão da Dívida, Rodrigo Ávila.
O assunto é complexo e extenso e não pode ser tratado em um simples artigo ou em alguns segundos de fala, mas é direito e dever da sociedade discuti-lo, apesar dos esforços feitos em contrário pela imprensa.
É importante salientar que não se defende calote e instabilidade no delicado problema da dívida pública brasileira, até mesmo porque entre seus credores não estão somente banqueiros, como se pode pensar, mas estão também parte dos cidadãos que concentram também ali toda a poupança da sociedade. O ponto defendido pelas lideranças que têm coragem para falar do assunto é apenas que, em primeiro lugar, o assunto possa ser discutido sem mistificação ideológica e que isso seja feito de forma aberta, transparente e em equilíbrio com os interesses da maior parte da população.
É essa despesa intocada, a dívida pública brasileira que consome metade do orçamento, que Ciro Gomes vem questionando de forma comovida ao apresentar esses números, até mesmo com perplexidade: “Deixe que o nosso povo morra feito moscas nos hospitais com toda a indignidade por que isso ‘pode’… mas o banqueiro não pode deixar de ter lucros exorbitantes como tá tendo hoje!?”

*Orçamento da União em foco: parâmetros, resultados fiscais e execução, p.92-93.
Saiba mais: Auditoriacidada.org