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Ciro Gomes e a estreia no teatro rural

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Na última segunda-feira, o Canal Rural trouxe informações preciosas ao palco da campanha presidencial de 2018, após a entrevista de Ciro Gomes no programa Mercado & Companhia. Segundo informado, os primeiros colocados nas pesquisas eleitorais para presidente serão convidados pelo canal para uma entrevista de 10 minutos, cronometrados. Ciro foi o primeiro e iniciou falando sobre a importância do agronegócio para a balança de pagamentos brasileira que, junto com a mineração, vem pagando a conta da importação de quase todos os produtos industrializados vendidos aqui.
A primeira pergunta foi sobre o plano safra e o valor das taxas de juros que o produtor brasileiro paga. Na resposta, Ciro afirmou que “a taxa de juros brasileira é a mais criminosa do mundo. E nós temos tentado dar ao agronegócio e à agricultura familiar, tradicionalmente – e volto a dizer, por merecimento –, uma taxa de juros subsidiada, [sendo] paga a diferença com dinheiro público em grandes volumes. A última vez, foram 128 bilhões de reais de subsídio, para que a taxa de juros que chega ao agricultor brasileiro seja minimamente competitiva. A indústria, já destruíram. Até o BNDES foi destruído e é preciso que o agronegócio tenha muito cuidado, quando der segurança a determinadas ideologias. Em vez de usar ideologia, que atrapalha a nossa cabeça, a gente tem que racionar com inteligência. Ou o Brasil subsidia o juro, ou o agronegócio quebra em 48 meses! Por isso é clara a minha economia política para garantir no prazo certo, no volume correto e com o perfil correto as taxas de juros que são necessárias, subsidiando o quanto for possível.”
Perguntado sobre reforma fiscal, Ciro Gomes começou falando sobre os problemas de infraestrutura para o escoamento da produção agrícola, que aumentam consideravelmente os custos com transporte, e apontou a necessidade da busca de sanidade fiscal para que o Estado tenha capacidade de investimento pela reorganização dos gastos públicos: “O que eu quero, o projeto ao qual eu sempre pratiquei, é associar os interesses do trabalho aos interesses da produção: [essa] é a chave. E o nosso inimigo é a especulação. No Brasil, hoje, 51,7%, ou seja, mais da metade do nosso orçamento, executado ano passado, foi entregue para a especulação financeira. É aí que está o grande conflito que nós temos que ferir e para isso nós precisamos unir os interesses de quem produz com os interesses de quem trabalha.”
Sobre o aumento da criminalidade no campo, falando da complexidade do tema, alertou as pessoas a tomarem cuidado com soluções simplistas que têm sido apresentadas no debate político, como a promessa de distribuição de armas pesadas à população. Além de não resolver o problema, essa medida poderia aumentar os riscos, ao tornar as pessoas do campo alvo de bandidos mais perigosos que os atuais em busca de armas nas propriedades rurais
Entrevista ótima, na qual Ciro Gomes mostrou poder de síntese, deixando claro suas propostas ao setor rural e quais os interesses enfrentará em seu futuro governo. O agronegócio terá centralidade no enfrentamento do rentismo, tendo incentivos governamentais para sua expansão por crédito subsidiado e investimento em infraestrutura. Além disso, o setor deverá se beneficiar do processo de reindustrialização, que nacionalizará a produção de grande parte dos insumos do agronegócio, livrando o produtor dos impactos que a variação do dólar gera em seus custos. Tudo dito pelo pré-candidato em exatos 9 minutos de 57 segundos, quando terminou a fala deixando um abraço a todos.
Até aí, nenhuma novidade. Ciro disse o que vem dizendo há, pelo menos, 20 anos. As revelações preciosas vieram, algumas horas depois, no programa Rural Notícias, da mesma emissora. Em tom levemente irônico, o apresentador anunciou a entrevista ocorrida mais cedo. Depois de um breve resumo, ressaltou que, dentre outras coisas, o pré-candidato havia dito que “liberar o porte de armas para o produtor” – e, nesse momento, aponta para o telespectador – “pode piorar a criminalidade”. Corte repentino na imagem e começa a transmissão da reprise da entrevista.
De volta aos estúdios, com um risinho o jornalista alerta que sobraram três segundos da entrevista que não foram utilizados pelo pré-candidato e se dirige ao comentarista de economia do canal, que aparece, ao vivo, em um monitor no fundo do estúdio.
O analista inicia sua fala aconselhando os produtores rurais brasileiros a desconfiarem de todos os candidatos que vierem ao Canal Rural fazendo promessas que soam interessantes ao setor, visto que outros fizeram o mesmo antes e não as cumpriram depois de eleitos. Feito esse alerta, diz que havia percebido nas falas de Ciro Gomes “populismo, escorregadas” e “uma visão de governo grande, onipotente, onipresente.” Segundo ele, “Ciro Gomes falou de um Estado a serviço de um Projeto Nacional de Desenvolvimento. Ora: a Dilma fez isso. A Dilma tentou usar o Estado em função de um Projeto Nacional de Desenvolvimento. Você viu no que deu!” – nesse momento, ele aponta para o telespectador. Seguindo seu comentário, afirma que Ciro falou sobre regulação de preços. “A Dilma também fez isso. Ela tentou regular os preços dos combustíveis e da energia elétrica. Vocês viram no que deu isso.”
Passando para a avaliação da proposta apresentada para o agronegócio, diz que “Ciro Gomes também foi populista a ponto de dizer que o agro brasileiro não vive sem juros subsidiados. Ledo engano, Ciro Gomes: o Brasil precisa gastar menos com o governo incompetente, engessado, altamente regulamentador, porque, do contrário, o Brasil vai quebrar com ou sem subsídio agrícola e o agro vai junto! Por que? Porque o problema agrícola não é a taxa de juros. A taxa de juros fica aviltante para o setor agrícola, porque o governo gasta mais do que arrecada e o Ciro Gomes apresentou um viés de aumentar o tamanho do Estado querendo ser regulamentador de tudo.”
Por fim, o comentarista do Canal Rural apresenta sua teoria econômica, afirmando que “a maior falácia que existe é achar que nós vamos resolver as coisas com subsídio. Sabe por que? Toda vez que o governo baixa os juros agrícolas, subsidia juros agrícolas, a indústria aumenta os preços três vezes mais e aquela subvenção de juros acaba saindo pela culatra. Isso aconteceu muito claramente em 2011 e 2012, com os investimentos em FINAME [Fundo de Financiamento para Aquisição de Máquinas e Equipamentos Industriais] e máquinas agrícolas. As máquinas subiram 30% e os juros baixaram 5. Outra questão importante: toda vez que o produtor conseguir juros subsidiados no mercado financeiro, ele gasta mais com penduricalhos, seguros e consórcios, que o sistema bancário vende para ele de forma casada, do que ele ganha da subvenção de juros. Então acabou com esse negócio de subsídio. Nós precisamos [de uma] economia com juros baixos naturalmente, porque a economia é saudável e ela só será saudável com governos pequenos, enxutos, produtivos, competentes.”
Eis o incrível serviço prestado pelo Canal Rural para entendermos melhor o teatro das eleições de 2018. Primeiramente, é interessante nos determos na teoria econômica apresentada pelo comentarista. Segundo ele, o governo deveria extinguir imediatamente o subsídio dos juros agrícolas – o que teria onerado o setor em 125 bilhões de reais só em 2017–, pois, recebendo esses 125 bilhões, os produtores teriam mais custos com serviços bancários e com a compra de maquinário. Além disso, ele afirma que os juros no Brasil são altos por causa do gasto público que supera a arrecadação, mas, para ele, isso não ocorre pelo fato dos juros consumirem mais da metade do orçamento. O déficit se deve unicamente ao tamanho do Estado. Essa é uma leitura que nos faz concluir que, definitivamente, a programação do Canal Rural não deve ser tão popular entre os produtores rurais. Recomendar a recusa de 125 bilhões em subsídios, para economizar no consórcio que o gerente do banco vai empurrar ao produtor no empréstimo, deve soar engraçado no meio do empresariado que comanda o setor mais dinâmico da economia brasileira hoje. Como bem alertou o Ciro na entrevista: “é preciso que o agronegócio tenha muito cuidado, quando der segurança a determinadas ideologias.”
O segundo ponto alto do tragicômico comentário foi a revelação da estratégia de desconstrução das propostas de Ciro Gomes, que será seguida com disciplina pela mídia. Além da questão da violência e da recusa do Ciro em vender falsas soluções simplórias, o comentarista deixou escapar, em um eloquente ato falho, o discurso que será usado à exaustão. A cada proposta, independentemente do que o Ciro disser, a resposta estará na ponta da língua: a Dilma fez isso e deu errado.
A ideia será repetir, até virar verdade, que o desenvolvimentismo defendido por Ciro, em seu Projeto Nacional de Desenvolvimento, é idêntico à política econômica do primeiro governo Dilma. Praticando as taxas de juros mais altas do mundo, com câmbio sobrevalorizado e promovendo um caótico e descoordenado programa de subsídios – que viraram imediatas remessas de lucros das multinacionais e aplicação no rentismo–, é difícil imaginar alguém de boa fé chamando a política do governo Dilma de desenvolvimentista. Seria o primeiro caso na história de desenvolvimentismo promovendo desindustrialização, o que demanda um urgente registro nos manuais de economia, na mesma velocidade que os biólogos registram novas espécies descobertas na Amazônia.

O discurso já está memorizado. Tão ensaiado que nem precisam mais esperar o Ciro Gomes formular sua proposta. Na entrevista ao Canal Rural, por exemplo, não foi mencionada em nenhum momento a ideia de regulação de preços. Mas isso foi irrelevante ao comentarista, que já traz de cor e salteado o texto: “Ciro Gomes falou também em regulação de preços. A Dilma também fez isso. Ela tentou regular os preços. […] E vocês viram no que deu isso” – afirmou ele com a convicção que só os grandes mestres das artes cênicas conseguem expressar.

Com o roteiro devidamente ensaiado pelos atores, a peça já pode estrear. Beaucoup de merde pour nous tous!